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terça-feira, 18 de novembro de 2014

O destino é soberano


Estava há pouco fazendo a minha barba. Amanhã embarco logo cedo para Belo Horizonte (ou será hoje?) Enfim, voltarei à noite. Enquanto eu deslizava em meu rosto a máquina de aparar pelos, ao som da JB FM (claro!!), imediatamente comecei a lembrar d’outros tempos. De fatos e situações pelas quais já passei ao longo desses 32 anos vividos. Lembrei de tanta coisa: de sonhos, de pesadelos, de anseios, de pessoas que chegaram, de pessoas que se foram... A minha conclusão foi de que nem sempre o momento atual é aquele que esperávamos viver. Parece meio óbvio, né? E é!

A graça da vida consiste justamente em atirarmo-nos de cabeça no oceano misterioso do porvir. Encontrei muitas alegrias no meu momento atual. Ri sozinho de um cotidiano que, de tão simples, outrora me parecia impossível.

Mas nem tudo “são flores”. Encarei dificuldades e percebi que cresci mais do que imaginava. Embora eu conserve ainda aquele lado menino, que corre para os braços da mãe vez ou outra, sempre passo por um instante de decisão, de Daniel na cova dos leões. Ou uma espécie de arena, onde sou gladiador de mim mesmo.

Tomo banho, visto meu pijama de cetim ao tempo em que Lulu Santos canta na rádio “Como Uma Onda no Mar”. E não é que a música parece  trilha sonora dos meus pensamentos? É exatamente assim que funciona a vida: como onda no mar. 

Deixar-se levar é uma virtude. Mas por que diabos a gente tenta de qualquer maneira alterar ou controlar o curso do destino? Que raio de medo é esse que temos incutido dentro de nós, que de certa forma nos deixa em alerta constante? Mas alerta em função de quê, meu Deus? Qual o motivo de tanto medo em deixarmos a ordem natural das coisas seguirem o seu rumo? Será medo de sofrer? De nos decepcionarmos? Ou simplesmente medo de sermos contrariados em nossa vontade tão qual o medo de uma criança pirracenta?

Olho para o meu polegar e vejo que sangra a minha cutícula. Maldito vício de roer as unhas, e essa é uma forma inconsciente de dizer que se tem medo, ou no mínimo um receio bobo. É sinal de que algo não está bem ou que está ligeiramente nos perturbando. O pior é que por mais que o ferimento cause dor, uma hora eu o esqueço e lá estarei roendo as unhas novamente. Ressurge também o outro vício: o de tentar controlar os acontecimentos conforme a nossa vontade? Percebemos o quão isso é impossível e quebramos a cara muitas vezes, porém não demora para que voltemos a fazer tudo de novo. É a unha e a cutícula que crescem. É o destino comandando. É a unha na boca, sendo cortada, dilacerada. É a nossa infinita e libidinosa mania de tentar moldar as circunstâncias de acordo com a nossa vontade.

Notei que hoje estou menos didático nas minhas divagações tolas. Será que mudei muito desde o meu último texto?

Talvez seja o próprio destino me acenando gentilmente que ele continua por aqui. Ele quer me provar que algo soberano paira sobre nós. Uma vontade maior. Vai ver que é desse modo que dizem que “o universo conspira a nosso favor.”

Considerando que o fim da vida é a morte, logo não é difícil entender que coisas se modificam durante o tempo todo da nossa vil existência. E isso não depende de aceitação. Simplesmente modificam e ponto.

Bem, já passa da meia noite. Tenho que dormir e não posso me dar ao luxo de ficar aqui escrevendo minhas bobagens. Às quatro preciso já estar de pé. Daqui para o Santos Dumont é uma longa caminhada.

Neste exato minuto está tocando na rádio “Chão de Giz.” Amo essa música. Principalmente a versão original com o inoxidável Zé Ramalho. Sou fã!

Antes de eu tomar o meu remedinho da noite e desmaiar de vez na cama, registro aqui uma espécie de oração que deveríamos fazer todos os dias: “Que amanhã, Senhor, seja melhor do que hoje. Que o meu destino traga o melhor para mim e para todos os que amo. Aos que me odeiam, flores e perdão. Aos que me amam, flores e lugar cativo no meu lado esquerdo do peito. Que o medo se torne um hábito do passado e que a renovação me venha leve e agradável como um sopro de brisa. Amém.”
 
E até breve.

terça-feira, 13 de maio de 2014

O poder da felicidade

Será que alguém já parou para refletir sobre o poder da tão desejada felicidade? Às vezes passamos tanto tempo a buscá-la, que sequer pensamos a respeito de como na prática esse sentimento poderia influenciar a nossa vida e, por consequência, as nossas atitudes.

É óbvio que essa busca incansável reflete na verdade um estado de espírito. Há quem diga que não existe ser feliz, mas sim estar feliz. Outros afirmam que a felicidade é o caminho, e não o destino da caminhada. Alguns argumentam ainda que a felicidade consiste em fragmentos de situações vividas; sendo assim, não é um estado permanente, alterna-se com momentos de tristeza e frustrações.

Uma opinião que sempre trago comigo é que o feliz, de momento ou não, jamais especula maliciosamente sobre a vida do outro. Não maldiz o seu próximo e nem pragueja ou investe contra ele movido por inveja ou qualquer outro sentimento negativo. Porque a felicidade tem vários poderes, entre os quais o de preencher o interior de uma pessoa; de provocar um bem-estar tão grande que não resta espaço para sentimentos negativos. Ao contrário, quanto mais se é feliz, mais se quer que o outro também seja feliz e experimente aquela sensação boa e plena.

Segundo um estudo realizado pelo cineasta europeu Collin Camino, em 2009, cujo título é Reverse Diabetes, ou em uma tradução livre para o português  “Diabetes Reverso”, aponta a felicidade como principal elemento de cura para a doença. Inclusive o estudo levou Camino a criar o instituto “Espírito Feliz” na internet, e seus escritos são seguidos fielmente em 9 países, estando na Inglaterra e nos Estados Unidos o seu maior número de seguidores. Camino é escritor e cineasta por formação, mas dedica boa parte do seu tempo a pesquisar de forma independente os efeitos da felicidade na saúde das pessoas.

De início, o site procurava mostrar a cura para a depressão. Passado algum tempo, depois de muitas pesquisas realizadas pelo cineasta, chegou-se à conclusão de que um estado de espírito feliz tinha o poder de reverter o diabetes também, sem que os pacientes precisassem necessariamente seguir uma dieta rigorosa, abstendo-se de todo tipo de açúcares.

Ora, levando em conta o estudo de Camino e mais o comportamento de algumas pessoas que se dizem felizes, não seria leviano afirmar que só nesse viés temos dois benefícios incríveis que só a felicidade é capaz de proporcionar: o desapego de uma forma maldosa de enxergar a vida alheia e também a cura de doenças.

O problema é quando condicionamos a nossa felicidade à conquista de determinados bens materiais e assim julgamos que não poderemos ser felizes sem eles. Ou ainda, quando depositados em alguém a razão da nossa felicidade — e este talvez deva ser o maior erro de todos, visto que se o outro nos decepciona, nós nos tornamos fonte de amarguras, frustrações e tristezas que nos arrastam para o fundo do poço. Ficamos dependentes do outro para que sejamos felizes.

O que é indispensável que tenhamos em mente é que somos os únicos responsáveis pela nossa própria felicidade, o outro apenas soma, contribui, mas não é capaz de trazer aquilo que não existe em nós originalmente. Como dizia o Marquês de Maricá: Os homens nos parecerão sempre injustos enquanto o forem as pretensões do nosso amor-próprio.”

Depositar no outro todas as nossas expectativas de amor e felicidade quase sempre nos traz graves decepções. A escritora gaúcha Clarisse Corrêa alerta: “Mais amor próprio. Porque antes de amar qualquer coisa ou pessoa você tem que amar você mesmo primeiro.”

Felicidade boa é aquela que nos tira do prumo, da zona de conforto. É aquele tipo que temos até medo de perder, seja até por um vento que soprar na hora errada. É aquela que provoca frio na barriga. Sentimento de eternidade. De gratidão a Deus, à vida e às pessoas queridas que estão ao nosso redor, zelando por nós.

A proposta é: ser feliz e deixar que os outros também o sejam, cada um à sua maneira. Porque cada ser humano é único em sua essência, e somente o próprio indivíduo sabe o que é melhor para si. Não aceitar ou combater a felicidade do outro é negar a si mesmo o direito de cuidar da própria vida e de também tentar ser feliz.

Como diz a canção do Marcelo Jeneci: “Felicidade é só questão de ser.”

Ponto.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O direito do outro

Será que é tão difícil para nós — enquanto seres  viventes  e  habitantes  de  um  mesmo planeta —  aceitarmos a existência de nossos irmãos? Irmãos porque somos colaterais uns dos outros da mesma espécie. Fisicamente as diferenças entre nós são mínimas diante das semelhanças. Mas se todos são realmente parecidos entre si, por que tanta discordância e desarmonia em um mesmo habitat? Se nos aprofundarmos nessa reflexão, vamos descobrir que essas discordâncias aparecem quando entramos na área em que justamente as diferenças são mais latentes do que as semelhanças: a área do gosto pessoal de cada indivíduo. É aí que a coisa complica!

Uma das definições da palavra “gosto”, segundo o dicionário Aurélio é: “faculdade de julgar os valores estéticos segundo critérios subjetivos, sem levar em conta normas preestabelecidas.”

Se não há norma preestabelecida, isto quer dizer que é livre a formação dessa preferência. E esta não sofre qualquer influência direta de fatores externos quanto à sua formação original. O que vai determinar se um gosto é bom ou ruim, é a experimentação posterior. Quando ele nasce, porém, o que temos é uma inclinação, uma tendência a perceber aquilo que nos agrada. Daí não existe interferência nem mesmo de nós e tampouco dos outros. Tentar mudar o gosto de alguém é tentar mudar a natureza, a concepção mais genuína de uma pessoa. 

Há quem diga que é possível mudar sim uma preferência individual, no entanto o que você pode é contê-la, represá-la, aprisioná-la ou simplesmente não dar vazão a ela. Mudar, nunca. O que nasce de você e sequer está no seu DNA (porque DNA é ciência, tem como ser ‘lido’) não tem como sofrer nenhum tipo de manipulação ou doutrina externa. Como, por exemplo, pegar algo com as mãos se este algo é invisível? Não tem como. O único controle que pode existir é o da “não vazão”. É ignorar as próprias inclinações ou brigar o tempo todo com ela, tentando dominá-la a qualquer custo. Isto, sem dúvida, é fonte de grande sofrimento por parte daqueles que tomam esta decisão. É uma guerra constante com o próprio eu, e esse eu, por ser invisível e imutável, certamente será mais forte. Não tem como amputá-lo, tal qual se faria com um membro físico que perdeu a sua função vital.

O problema é que ainda que tenhamos essa consciência, sempre vai existir um outro, ou seja, um irmão de espécie que vai discordar da sua natureza. E vai combatê-la. Esse é o motivo de tantos confrontos, de tanta intolerância e até de guerras mundiais. A não aceitação do outro faz com que o mundo em que vivemos fique em total desequilíbrio, porque damos continuidade a uma batalha irracional e inútil de dominação.

Imaginar que um planeta habitado por bilhões de mentes e gostos díspares uns dos outros e que, em algum momento, essas mentes partirão para o conflito a fim de cada um tentar estabelecer o seu gosto pessoal, é assustador.

Não é apenas teoria que o mundo seria mais pacífico se todos aceitassem as preferências alheias. É uma questão de lógica. Mas por que não há essa aceitação? Simples. Porque colocamos interesses particulares — e muitas vezes não ligados ao bem estar geral — acima do respeito que deveríamos ter com o nosso irmão. Entender que o nosso direito termina quando começa o do outro deveria ser natural. Mas infelizmente não é.

Fala-se muito em modernidade, em avanço da ciência, da tecnologia, das comunicações, da medicina, entretanto pouco se fala em avanço da moral, da ética e do respeito. Quando alguém cria uma lei para que determinados direitos básicos sejam respeitados, não há qualquer razão para se comemorar. Ao contrário, vejo com tristeza isso. Triste do povo que precisa de leis que o obrigue a respeitar o direito do outro.

Teremos de fato um avanço útil e notável quando não precisarmos de leis que assegurem os nossos direitos individuais e coletivos mais básicos. Não adianta a sociedade avançar em outros aspectos se não avança no primordial: a boa convivência entre os seus colaterais.

Chego a acreditar que tanto progresso em outros seguimentos satisfaz uma condição imediatista do ser humano, capaz de jogá-lo num conformismo arraigado.

Do que me adianta uma telefonia de longo alcance se eu não tiver com quem falar? Ou do que me adianta uma rede social se for para apregoar o ódio e por isso todos se voltarem contra mim? Do que me adianta prolongar a vida de um paciente, se este não tiver vontade de voltar para a sua parentela?

O desrespeito está na religião, na etnia, na sexualidade, na cultura, na educação [ou na falta dela], na raça e na cor.

E o respeito: onde está?

domingo, 1 de dezembro de 2013

Viva Machado!

Há bem pouco tempo, reli um trecho do livro Dom Casmurro, do grande Imortal Machado de Assis. Algumas coisas releio com a finalidade própria de meditação. Nada pretensioso. Nada filosófico. Mas ainda assim: meditação. Pensar me desafia, me aguça perguntas e me força a tentar respondê-las pelo menos com uma tímida explicação que satisfaça a minha mente inquieta.

Na releitura do trecho do clássico de Machado, me veio ao juízo a ideia de que os escritores dos tempos atuais pertencem a outro nicho, trazido pela modernidade e pela incansável busca pela fama, pelo reconhecimento do “eu escrevi isso, e isso foi legal, todos gostaram, sou então um escritor respeitado”, etc. 

Machado de Assis e tantos outros de sua época cultivavam a discrição. Viviam reclusos em suas ideias, não por que eram obrigados a viver assim, mas porque eles encaravam o tal ofício da escrita como um comentário ora pudico, ora indecoroso. Não buscavam nenhum tipo de mérito. Eles queriam comentar, queriam dizer, e isso lhes bastava. Dizer. Dizer que viam, que eram testemunhas de fragmentos desapercebidos que compunham um todo. Era como uma “sociedade secreta” sem segredo algum. Tinham os seus valores. Seus modos muito particulares de ver o mundo. O mundo que os cercavam [e que ansiava aprisioná-los] fora aquele em que já viviam, é claro.

Os escritores de hoje, digo os famosos, os que conseguiram notoriedade, moram em verdadeiros palácios ou quase isso. Frequentam lugares da moda, dividem opiniões, se expõem sem medo da crítica. O insuportável para eles é não serem notados. Não serem comentados.

Já imaginou? Machado de Assis hoje moraria na zona sul? Andaria de carro importado e daria inúmeras entrevistas com seu rosto em uma linda estampa gráfica “photoshopada?”

Não sei. Naquela época [repito o termo, lembrando os antigos] a simplicidade e a discrição eram a “onda do momento”. Se faziam grandes escritores tão-somente pelo que eles realmente pensavam. Pensavam – que fique claro. Não existia toda essa modernidade de hoje; e caso os escritores de fato não pensassem, jamais sairiam do anonimato e tampouco virariam os Imortais que aprendemos a admirar e respeitar.

Engraçado. O apelido “Dom Casmurro” originou-se justamente por uma introspecção talvez exagerada. Se fosse hoje, quem sabe, o sujeito tomaria o trem [ou melhor, trem não; avião] sorrindo para todos, apresentando-se como escritor e permitiria que os demais passageiros tirassem fotos com os seus celulares de última geração.

Machado de Assis descrevia como ninguém o interior de uma alcova, os quartos e cortinas, janelas, acontecimentos que se sucediam entre quatro paredes. Depois registrava tudo com maestria. A pena na mão. Escrevia-se ali a sentença de um juiz sobre a sociedade. Mas ele era também o defensor e o acusador na figura de uma única pessoa. Era o Mestre. Era o dono da História.

Não estou aqui fazendo um falso proselitismo  a favor de uma vida provinciana. Ou numa linguagem mais clara: uma vida de bicho-do-mato. Acho que a modernidade nos ajuda e muito! Contribui e muito! Ficar parado no tempo engessa o progresso [como disse certa vez Ferreira Gullar], no entanto confesso que vejo certo charme nos escritores que alcançam fama e respeito pelo que pensam. Pensam e não aparecem em badalações e eventos sociais. Porque as suas ideias chegam antes [muito antes!] aos seus leitores do que a necessidade de sua presença física em qualquer lugar. E isso, em tempos atuais, é praticamente um milagre!

Lima Barreto conta, em Memórias do Escrivão Isaías Caminha, que sempre se fechou para o que estava à sua volta e que, certo dia, quando resolveu brincar com os colegas na escola, houve uma comemoração irônica por partes deles. O menino que nunca se juntava ao grupo social de repente se juntou. Antes, porém, de acontecer aquela brincadeira farrista com os colegas de classe, Lima Barreto passou dias e mais dias atento ao pai, que era um homem muito culto, que sabia como nenhum outro explicar o universo e as estrelas do céu.

Onde será que estão os "Casmurros" de hoje? Na melhor acepção do termo.

Será que ainda existem? Será que se um dia a humanidade se cansar de tanto se enfeitar diante de uma parafernália tecnológica, vai conseguir sobreviver ou cairá na desgraça cruel do anonimato e da escuridão dos holofotes apagados?

Quem viver, verá.

terça-feira, 26 de março de 2013

O Contador de histórias

Eu sou um deles. Sou um pequeno em meio a outros tantos pequenos. Alguns não pequenos, gigantes, frondosos, tais quais árvores centenárias que firmam presença sob a luz do sol através dos tempos. Sou grão em uma colagem mosaico que forma paisagem.

Sou um contador de histórias, na mais perfeita acepção do termo: vivo de contar e de inventá-las também, na maior parte das vezes. Um obcecado pelas relações humanas, pelos fatos que elas provocam. Pelas transformações que elas são capazes de induzir no próprio meio em que acontecem.

Mas como explicar o contraditório de dizer que as relações humanas são tão interessantes ao passo em que o mundo real, o mundo em que elas vivem, é tão apático e pouco atraente? Talvez por que a fantasia seja a encarregada de pincelar as cores que darão charme a um mundo desbotado, monocromático. Eu sempre preferi a fantasia. A realidade é mãe severa, dura de coração, enquanto a fantasia é mãe que cuida, que zela, que ri das travessuras do filho. Acho que por isso dou o braço a uma, mas é no colo da outra que eu pulo.

Contar histórias é um dom. É dádiva. É o único momento em que se sente ungido. Deixa-se de viver a própria vida para viver a vida de outros, de muitos... São personagens que nos arrebatam com uma paixão incrível e visceral. Noites inteiras são perdidas em uma incansável luta de somar pedaços que formarão uma estrada vez linha reta, vez sinuosa. Não se consegue pensar em mais nada que não o futuro daqueles seres que parecem sair do seu imaginário para te derrubarem da cama e eles sim adormecerem por ali, plenos de toda existência.

Penso que o contador de histórias é alguém que se propõe a passar o resto de sua vida a juntar letras que serão lidas, ouvidas, assistidas ou quem sabe até sonhadas por um outro alguém. É um sacerdócio prazeroso, sem crime, sem castigo, sem absolvição, sem desculpas ou justificativas por que habitamos o limbo das ideias. É um lugar mágico e praticamente espiritual de onde jamais pode brotar qualquer impureza.

Lembro de cada um que me apresentou as ferramentas que hoje uso para o meu ofício. Sim, eles são chamados de professores. Eles me apresentaram as letras, as frases, as palavras cheias de significados. Mas na minha visão, eles me apresentaram bem mais do que isso. Apresentaram-me um navio prestes a deslizar para um oceano imenso. De onde não se volta, mas se manda notícias a todo momento.

É gostoso estar aqui, escrevendo, dizendo, transmitindo clarões de pensamentos. Jogando com as palavras da mesma forma que elas jogam com as minhas emoções. E que emoções!

Nesse mundo de faz-de-conta tudo é permitido. As rédeas que a realidade me impõe são facilmente dribladas pela sedutora astúcia do imaginário. Ele é encantador. Envolvente. Um lord que se apresenta com capa e cartola, feito um ilusionista, e que me mostra possibilidades fantásticas. Ele me rouba o juízo e coloca sei lá o quê (mas que é muito bom) dentro da minha mente.

E se me perguntassem o porquê de existirmos, tenho certeza de que me fugiria uma resposta que convencesse a mim e ao outro. Acho que eu diria que existimos para tirar algo que sobra em um lugar para pôr em outro onde falta. Não dá para entender direito, eu sei, porém é mais ou menos isso. Talvez um Robin Hood da criação: tiramos do rico imaginário para dar onde falta à pobre realidade.

Fico tão emocionado em falar disso. É sério. É algo tão maravilhoso aos meus olhos, tão sublime, que chego a pensar que nenhum ser humano seria digno de receber essa incumbência. Não vou negar que surge um sofrimento, um percalço no caminho ora ou outra, mas não é de se admirar que nenhum de nós queira desistir, porque o caminhar compensa toda dor que possa surgir. É gostoso demais trilhar por um mundo que não me obriga à mediocridade simples do dia-a-dia.

Eu sou contador de histórias. Já falei, né? Pois é. Sou, mas não por que escolhi ser. Fui escolhido e isso sempre vai me bastar. Amém.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O mundo espiritual e suas codificações

Há muitas controvérsias acerca da existência de um mundo paralelo, digamos assim, que comanda todos os desígnios desse mundo humano em que vivemos. Estou falando do mundo espiritual. Seja você religioso, ateu, agnóstico, crédulo ou incrédulo, ou que simplesmente nunca tenha pensado a respeito, a verdade é que nosso mundo terreno está cheio dessas codificações que sustentam a visão do algo “além de nós”.

Uma forma prática de perceber esses códigos é quando vamos a uma cerimônia fúnebre. Tudo que ali está guarda um significado que se refere à “passagem” que o indivíduo faz de um mundo para o outro. E curioso é que mesmo os que não crêem nessa comunicação entre dois planos existenciais diferentes, reconhecem e compreendem o sentido daqueles rituais. Nota-se que a existência dos códigos independe da comprovação do fato a que eles se destinam. É como se os hábitos fossem a própria representação materializada do outro mundo. Fica a pergunta se isso já não é o suficiente para afirmar a realidade do plano superior em nossas vidas tão terrenas e passageiras.

Outros códigos também estão presentes em nosso cotidiano ainda que não sejam tão perceptíveis. Quando passamos por alguma situação difícil em que nos vemos quase em um “beco sem saída”, é comum apelarmos para uma salvação que transcende a racionalidade. Esse apelo varia de pessoa para  pessoa, porque há quem conte as  suas  aflições  para  o  acaso,  ou  até  mesmo para o nada, e há quem se dirija especificamente para um Ser Supremo de sua devoção e fé.

As opiniões diversas a respeito desse assunto, queira ou não, acabam por manter vivas no consciente coletivo as indagações sobre os mistérios que envolvem a nossa existência. Por vezes parece irracional pensar que somos tão auto-suficientes sem uma interferência superior. Como explicar então tantas coisas incríveis que acontecem? Como explicar verdadeiros milagres no campo da medicina, por exemplo? Será que a sorte pode  justificar  tantos  fatos  ainda  inexplicáveis que hora ou outra nos surpreendem sem o menor nexo de razão? E se a sorte fosse uma das vertentes da fé? Ou até mesmo uma forma de fé porém com outro nome, que é provocada justamente pela força do nosso querer interior quando este entra em contato com um plano extraterreno?

Talvez nunca cheguemos a uma resposta exata. Aliás, exatidão não cabe em um assunto que pressupõe forças ocultas além do nosso entendimento.

E as religiões estão aí para fortalecer a nossa crença nessas forças. Cada uma vai atribuir a um Deus, ou a vários deuses, ou a entidades, o domínio sobre tudo que nos acontece, sejam coisas boas ou más. É como se o Ser Superior fosse o escritor, e nós os seus personagens; no entanto, sem que essa escrita necessite de uma lógica.

Acho que tudo é possível para quem crê. A fé nasce dentro de cada um, e ela não reconhece religião, mas sim o desejo da nossa alma. Acredito que qualquer ser humano é capaz de transpor obstáculos por pior que sejam, e aí sim acontece a conexão com algo muito maior.

Quando escrevi o texto da peça “Amor, Promessa e Castigo”, mergulhei na história bíblica de Ana, esposa de Elcana, e que não podia dele engravidar. Elcana era também casado com Penina, que gerava filhos e filhas. Penina humilhava Ana e a fazia chorar dias e noites. Porém Ana manteve a sua fé inabalável e assim, segundo a história cristã, o Senhor concedeu um milagre a ela, que acabou por engravidar e deu à luz Samuel. Foi impossível para mim não meditar sobre a fé. Terminei o texto da peça, que não conteve nenhum caráter religioso, mas fiquei pensando na história bíblica, que final teria se Ana não guardasse uma grande fé dentro de si. E me questionei se não era possível que houvesse outras Anas vivendo aquela situação.

Que códigos aquela mulher reconhecera como sendo indicador de um milagre? Faz pensar que em dados momentos cabe a nós decifrar a codificação do mundo espiritual, se acharmos conveniente acreditarmos nele.

Num raro momento de descontração, enquanto escrevo essas linhas, lembrei daquela famosa frase em espanhol: y no creo em brujas, pero que las hay, las hay.”

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O amor, o amar e as suas formas

De todos os sentimentos capazes de serem experimentados pelo ser humano, o amor certamente é aquele que mais influencia no nosso modo de pensar e agir ao longo da existência. É ele quem dita a maior parte de nossas atitudes e estabelece uma incrível comunicação com o outro.

Existem vários tipos de amor: o de mãe por um filho, o de avô por um neto, o de um homem por um animal. Os relacionamentos amorosos entre duas pessoas que se apaixonam é o que se destaca na sociedade por ser uma experiência de total confiança e apego ao “objeto” da paixão. É como se o apaixonado fosse um pássaro ganhando vôo livre, embora não saiba o que há de encontrar em sua jornada pelo céu.

Vejo diferença entre amor e amar. O primeiro é fato concluído em si mesmo, enquanto o segundo é doação sem que necessariamente haja uma entrega total a uma única pessoa. Amar é ato gratuito, difuso e parte de dentro para fora; ao contrário do primeiro, que é quase empírico, parte de um princípio, de uma experiência, por vezes de um primeiro contato, para que assim se estabeleça no campo afetivo.

Alguns exemplos do amar são vistos com freqüência em religiosos que dedicam suas vidas a ajudar o próximo. São capazes de enxergar em seu semelhante a própria face. Essas pessoas têm uma visão horizontal. Ao passo que o amor, a depender do ponto de vista, é perpendicular. Segue uma ordem de baixo para cima.

Ainda no caso do relacionamento amoroso entre casais, muito nota-se um “abaixo” do outro, sempre esperando que aquele lhe traga e lhe dedique uma atenção e um carinho que ele não consegue dar a si mesmo.

Diz a bíblia que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu filho unigênito como sacrifício pelo bem da humanidade. Independente da crença religiosa, este seria um bom exemplo de amar. Deus amou o mundo. Por sua vez, um exemplo de amor seria o caso da mãe que deixa de comer para ceder o alimento ao filho.

Nada se justifica sem amor. É um sentimento cego. É aquele que possui um arbítrio irrestrito sobre nós. Não se tem capacidade maior para determinar pensamentos, atitudes e modo de ser.

Já disseram que a medida da dor é a mesma medida do amor. O tanto que se ama, é o tanto que se sofre por esse amor.

A manifestação suprema do amar e do amor tem variadas formas, pode se apresentar de diversas maneiras, por vezes de modo subjetivo, implícito. Pode ser um gesto, uma palavra, um sussurro ou até mesmo um prolongado silêncio. É como se o que sentimos transbordasse e fosse desaguar no outro sem a necessidade de consentimento.

Nos primórdios da humanidade, o sexo se sobrepunha ao amor por uma lógica que visava perpetuar a espécie. O amor [se viesse] viria mais tarde. Hoje pensamos no amor antes do sexo. O mais curioso é saber que a valorização do sentimento trouxe não só a felicidade, mas o sofrimento também. Os conflitos amorosos tomaram conta da sociedade tanto quanto a possibilidade que ganhamos de amar.

Há quem diga que prefere evitar o amor como forma de se proteger das desilusões futuras. Outros apregoam que o amor e a liberdade são opostos e que nunca chegam à pacificação.

No século XIX era romântico sofrer por amor. Em tempos atuais é comum percebermos que o sofrimento tornou-se algo quase patológico, freando e reprimindo cada vez mais os sentimentos, e em alguns casos provocando lesões irreparáveis à autoestima.

Muito se fala na “revolução sexual” da década de 60, e alguns estudiosos afirmam que esse momento histórico fortaleceu a liberdade nos relacionamentos interpessoais. Por outro lado, houve um decréscimo do romantismo d’outros tempos. Passou a existir um maior “poder de escolha” no campo afetivo e sexual. O problema é que o amor não acompanha as mudanças do tempo, é inadaptável à razão, aos conceitos, daí o motivo de tanta controvérsia e amargura.

Amar é mais abrangente e por isso sempre faz bem para o corpo e alma. O amor é singular, enquanto amar é plural. Doar um pouco de nós para os outros, desfazendo-se de qualquer traço de individualismo, é divino. É exercício pleno da nossa condição humana.

E como diz a música: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.