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quinta-feira, 1 de março de 2012

A piada que só é engraçada para quem faz


Perdi a conta de quantas piadas já ouvi na vida. São tantas que algumas se repetem de boca em boca. Muitas cheias da criatividade, outras com tintas fortes de malícia. Os temas são variados: tem a do gay, do aleijado, do papagaio, do anão, do leão, etc.

Quando criança eu adorava ouvir piadas, mas não sabia contar. O que mais me instigava era tentar adivinhar qual seria o desfecho da história, qual a moral; ficava preocupado em entender, por medo de que todos rissem e eu não. As que eu não entendia, depois eu perguntava baixinho para quem estivesse próximo e ria atrasado, mas era bom ouvir.

Hoje raramente ouço alguém contar uma piada. Não sei se as pessoas perderam o hábito de contar ou se fui eu quem perdeu o de ouvir.

Confesso que o meu senso crítico ficou muito chato. Passei a me policiar sobre o que de fato merecia o meu riso. Saber diferenciar o que é engraçado e o que é de mau gosto. Isto porque há piadas que são engraçadas apenas para quem faz. São aquelas discriminatórias, ou cheias de preconceito cujo intuito é tentar alcançar o humor através da ridicularização do outro.

Concordo que o ser humano precisa ter a capacidade de rir de si mesmo. O problema está quando a finalidade é somente debochar de alguém ou de algo, aí que a piada perde a graça. Quando a usamos para apontar defeitos, imperfeições, fazer críticas maldosas ou até mesmo ofender. O que às vezes parece uma anedota inocente, pode na realidade ser uma ofensa disfarçada.

Nunca entendi por que o ser humano tem o estranho prazer de rir da desgraça alheia. Quando alguém vai ao circo, por exemplo, assistir a um domador de feras, a expectativa é de que o leão consiga devorar o domador. A "graça" é esta.

Os jornais mais vendidos são os que estampam suas capas com fotos sensacionalistas. O horror é mais atraente do que a beleza. Do mesmo modo como alguém prontifica-se a ouvir algo triste que outra pessoa vai lhe contar, mas não se interessa de ouvir quando o assunto é "leve" ou banal.

Imaginar a dor do outro sem que a gente esteja passando por ela causa um certo frisson. E uma automática sensação de alívio, que nós dá a falsa impressão de que estamos "a salvo".

Assim é com a piada ofensiva. Colocamos o outro numa situação vexatória enquanto nós damos risadas. Ficamos de fora, como se fôssemos meros expectadores.

Acho que deveríamos fazer piadas para o outro, e não do outro. Em um mundo em que as pessoas se encontram tão fragilizadas em sua auto-estima, é quase uma agressão condutas que soem como ridicularização e desmoralização.

Vejo essa prática em certos programas de humor, em que deveriam tomar mais cuidado, serem mais responsáveis com o teor de suas "brincadeiras". Não esquecer que tem uma pessoa de carne e osso ali do outro lado assistindo. E esse que assiste pode sim se sentir ofendido. A linha que separa uma piada sadia de outra de extremo mau gosto é muito débil.

Não estou defendendo aqui nenhum tipo de censura! De forma alguma! Sou radicalmente contra qualquer tipo de medida que limite a criação artística e a liberdade de expressão. O que defendo é uma responsabilidade ética e moral nas mídias, onde não haja brecha que possibilite a disseminação do preconceito.

Não sei se estou parecendo mal humorado, mas também nunca achei a menor graça em ver as pessoas se machucarem. Tem gente que tem crises de riso ao ver uma pessoa tomar um tropeção na rua, por exemplo. Tudo bem, há casos nada graves em que se é possível achar alguma graça. Porém ri-se até de uma pessoa que leva um tombo e fratura o crânio. Na hora, o riso; depois, o socorro ao acidentado.
 
Se tomarmos por base a burguesia da Londres do século dezoito, veremos que a fome do ser humano pela desgraça alheia é antiga. As damas inglesas, naquele tempo, pagavam para visitar os sanatórios com o objetivo de divertir-se atormentando os loucos. Era considerado um programa "de família", muito comum entre os nobres.

Fico me perguntando se nós, ao acharmos graça numa piada de mau gosto, ou no tombo de uma pessoa que atravessava a rua e quase foi atropelada, não estaríamos repetindo a mesma conduta das senhoras inglesas do século dezoito.

Acho que ainda passarão muitos anos sem que saibamos como funciona a mente humana. É um mistério a ser desvendado. Por que a dor do outro é tão satisfatória? Por que a desgraça ocupa tanto destaque no nosso dia-a-dia? Vale a pena fazer uma análise.