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domingo, 1 de dezembro de 2013

Viva Machado!

Há bem pouco tempo, reli um trecho do livro Dom Casmurro, do grande Imortal Machado de Assis. Algumas coisas releio com a finalidade própria de meditação. Nada pretensioso. Nada filosófico. Mas ainda assim: meditação. Pensar me desafia, me aguça perguntas e me força a tentar respondê-las pelo menos com uma tímida explicação que satisfaça a minha mente inquieta.

Na releitura do trecho do clássico de Machado, me veio ao juízo a ideia de que os escritores dos tempos atuais pertencem a outro nicho, trazido pela modernidade e pela incansável busca pela fama, pelo reconhecimento do “eu escrevi isso, e isso foi legal, todos gostaram, sou então um escritor respeitado”, etc. 

Machado de Assis e tantos outros de sua época cultivavam a discrição. Viviam reclusos em suas ideias, não por que eram obrigados a viver assim, mas porque eles encaravam o tal ofício da escrita como um comentário ora pudico, ora indecoroso. Não buscavam nenhum tipo de mérito. Eles queriam comentar, queriam dizer, e isso lhes bastava. Dizer. Dizer que viam, que eram testemunhas de fragmentos desapercebidos que compunham um todo. Era como uma “sociedade secreta” sem segredo algum. Tinham os seus valores. Seus modos muito particulares de ver o mundo. O mundo que os cercavam [e que ansiava aprisioná-los] fora aquele em que já viviam, é claro.

Os escritores de hoje, digo os famosos, os que conseguiram notoriedade, moram em verdadeiros palácios ou quase isso. Frequentam lugares da moda, dividem opiniões, se expõem sem medo da crítica. O insuportável para eles é não serem notados. Não serem comentados.

Já imaginou? Machado de Assis hoje moraria na zona sul? Andaria de carro importado e daria inúmeras entrevistas com seu rosto em uma linda estampa gráfica “photoshopada?”

Não sei. Naquela época [repito o termo, lembrando os antigos] a simplicidade e a discrição eram a “onda do momento”. Se faziam grandes escritores tão-somente pelo que eles realmente pensavam. Pensavam – que fique claro. Não existia toda essa modernidade de hoje; e caso os escritores de fato não pensassem, jamais sairiam do anonimato e tampouco virariam os Imortais que aprendemos a admirar e respeitar.

Engraçado. O apelido “Dom Casmurro” originou-se justamente por uma introspecção talvez exagerada. Se fosse hoje, quem sabe, o sujeito tomaria o trem [ou melhor, trem não; avião] sorrindo para todos, apresentando-se como escritor e permitiria que os demais passageiros tirassem fotos com os seus celulares de última geração.

Machado de Assis descrevia como ninguém o interior de uma alcova, os quartos e cortinas, janelas, acontecimentos que se sucediam entre quatro paredes. Depois registrava tudo com maestria. A pena na mão. Escrevia-se ali a sentença de um juiz sobre a sociedade. Mas ele era também o defensor e o acusador na figura de uma única pessoa. Era o Mestre. Era o dono da História.

Não estou aqui fazendo um falso proselitismo  a favor de uma vida provinciana. Ou numa linguagem mais clara: uma vida de bicho-do-mato. Acho que a modernidade nos ajuda e muito! Contribui e muito! Ficar parado no tempo engessa o progresso [como disse certa vez Ferreira Gullar], no entanto confesso que vejo certo charme nos escritores que alcançam fama e respeito pelo que pensam. Pensam e não aparecem em badalações e eventos sociais. Porque as suas ideias chegam antes [muito antes!] aos seus leitores do que a necessidade de sua presença física em qualquer lugar. E isso, em tempos atuais, é praticamente um milagre!

Lima Barreto conta, em Memórias do Escrivão Isaías Caminha, que sempre se fechou para o que estava à sua volta e que, certo dia, quando resolveu brincar com os colegas na escola, houve uma comemoração irônica por partes deles. O menino que nunca se juntava ao grupo social de repente se juntou. Antes, porém, de acontecer aquela brincadeira farrista com os colegas de classe, Lima Barreto passou dias e mais dias atento ao pai, que era um homem muito culto, que sabia como nenhum outro explicar o universo e as estrelas do céu.

Onde será que estão os "Casmurros" de hoje? Na melhor acepção do termo.

Será que ainda existem? Será que se um dia a humanidade se cansar de tanto se enfeitar diante de uma parafernália tecnológica, vai conseguir sobreviver ou cairá na desgraça cruel do anonimato e da escuridão dos holofotes apagados?

Quem viver, verá.