Total de visualizações de página

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O direito do outro

Será que é tão difícil para nós — enquanto seres  viventes  e  habitantes  de  um  mesmo planeta —  aceitarmos a existência de nossos irmãos? Irmãos porque somos colaterais uns dos outros da mesma espécie. Fisicamente as diferenças entre nós são mínimas diante das semelhanças. Mas se todos são realmente parecidos entre si, por que tanta discordância e desarmonia em um mesmo habitat? Se nos aprofundarmos nessa reflexão, vamos descobrir que essas discordâncias aparecem quando entramos na área em que justamente as diferenças são mais latentes do que as semelhanças: a área do gosto pessoal de cada indivíduo. É aí que a coisa complica!

Uma das definições da palavra “gosto”, segundo o dicionário Aurélio é: “faculdade de julgar os valores estéticos segundo critérios subjetivos, sem levar em conta normas preestabelecidas.”

Se não há norma preestabelecida, isto quer dizer que é livre a formação dessa preferência. E esta não sofre qualquer influência direta de fatores externos quanto à sua formação original. O que vai determinar se um gosto é bom ou ruim, é a experimentação posterior. Quando ele nasce, porém, o que temos é uma inclinação, uma tendência a perceber aquilo que nos agrada. Daí não existe interferência nem mesmo de nós e tampouco dos outros. Tentar mudar o gosto de alguém é tentar mudar a natureza, a concepção mais genuína de uma pessoa. 

Há quem diga que é possível mudar sim uma preferência individual, no entanto o que você pode é contê-la, represá-la, aprisioná-la ou simplesmente não dar vazão a ela. Mudar, nunca. O que nasce de você e sequer está no seu DNA (porque DNA é ciência, tem como ser ‘lido’) não tem como sofrer nenhum tipo de manipulação ou doutrina externa. Como, por exemplo, pegar algo com as mãos se este algo é invisível? Não tem como. O único controle que pode existir é o da “não vazão”. É ignorar as próprias inclinações ou brigar o tempo todo com ela, tentando dominá-la a qualquer custo. Isto, sem dúvida, é fonte de grande sofrimento por parte daqueles que tomam esta decisão. É uma guerra constante com o próprio eu, e esse eu, por ser invisível e imutável, certamente será mais forte. Não tem como amputá-lo, tal qual se faria com um membro físico que perdeu a sua função vital.

O problema é que ainda que tenhamos essa consciência, sempre vai existir um outro, ou seja, um irmão de espécie que vai discordar da sua natureza. E vai combatê-la. Esse é o motivo de tantos confrontos, de tanta intolerância e até de guerras mundiais. A não aceitação do outro faz com que o mundo em que vivemos fique em total desequilíbrio, porque damos continuidade a uma batalha irracional e inútil de dominação.

Imaginar que um planeta habitado por bilhões de mentes e gostos díspares uns dos outros e que, em algum momento, essas mentes partirão para o conflito a fim de cada um tentar estabelecer o seu gosto pessoal, é assustador.

Não é apenas teoria que o mundo seria mais pacífico se todos aceitassem as preferências alheias. É uma questão de lógica. Mas por que não há essa aceitação? Simples. Porque colocamos interesses particulares — e muitas vezes não ligados ao bem estar geral — acima do respeito que deveríamos ter com o nosso irmão. Entender que o nosso direito termina quando começa o do outro deveria ser natural. Mas infelizmente não é.

Fala-se muito em modernidade, em avanço da ciência, da tecnologia, das comunicações, da medicina, entretanto pouco se fala em avanço da moral, da ética e do respeito. Quando alguém cria uma lei para que determinados direitos básicos sejam respeitados, não há qualquer razão para se comemorar. Ao contrário, vejo com tristeza isso. Triste do povo que precisa de leis que o obrigue a respeitar o direito do outro.

Teremos de fato um avanço útil e notável quando não precisarmos de leis que assegurem os nossos direitos individuais e coletivos mais básicos. Não adianta a sociedade avançar em outros aspectos se não avança no primordial: a boa convivência entre os seus colaterais.

Chego a acreditar que tanto progresso em outros seguimentos satisfaz uma condição imediatista do ser humano, capaz de jogá-lo num conformismo arraigado.

Do que me adianta uma telefonia de longo alcance se eu não tiver com quem falar? Ou do que me adianta uma rede social se for para apregoar o ódio e por isso todos se voltarem contra mim? Do que me adianta prolongar a vida de um paciente, se este não tiver vontade de voltar para a sua parentela?

O desrespeito está na religião, na etnia, na sexualidade, na cultura, na educação [ou na falta dela], na raça e na cor.

E o respeito: onde está?