Há bem pouco tempo, reli um trecho do livro Dom Casmurro, do grande
Imortal Machado de Assis. Algumas coisas releio com a finalidade própria de
meditação. Nada pretensioso. Nada filosófico. Mas ainda assim: meditação.
Pensar me desafia, me aguça perguntas e me força a tentar respondê-las pelo
menos com uma tímida explicação que satisfaça a minha mente inquieta.
Na releitura do trecho do clássico de Machado, me veio ao juízo a ideia
de que os escritores dos tempos atuais pertencem a outro nicho, trazido pela
modernidade e pela incansável busca pela fama, pelo reconhecimento do “eu
escrevi isso, e isso foi legal, todos gostaram, sou então um escritor
respeitado”, etc.
Machado de Assis e tantos outros de sua época cultivavam a discrição.
Viviam reclusos em suas ideias, não por que eram obrigados a viver assim, mas
porque eles encaravam o tal ofício da escrita como um comentário ora pudico, ora
indecoroso. Não buscavam nenhum tipo de mérito. Eles queriam
comentar, queriam dizer, e isso lhes bastava. Dizer. Dizer que viam, que eram
testemunhas de fragmentos desapercebidos que compunham um todo. Era como uma
“sociedade secreta” sem segredo algum. Tinham os seus valores. Seus modos muito
particulares de ver o mundo. O mundo que os cercavam [e que ansiava
aprisioná-los] fora aquele em que já viviam, é claro.
Os escritores de hoje, digo os famosos, os que conseguiram notoriedade,
moram em verdadeiros palácios ou quase isso. Frequentam lugares da moda, dividem
opiniões, se expõem sem medo da crítica. O insuportável para eles é não serem
notados. Não serem comentados.
Já imaginou? Machado de Assis hoje moraria na zona sul? Andaria de
carro importado e daria inúmeras entrevistas com seu rosto em uma linda estampa
gráfica “photoshopada?”
Não sei. Naquela época [repito o termo, lembrando os antigos] a simplicidade e a discrição eram a “onda do momento”. Se faziam
grandes escritores tão-somente pelo que eles realmente pensavam. Pensavam – que
fique claro. Não existia toda essa modernidade de hoje; e caso os escritores de
fato não pensassem, jamais sairiam do anonimato e tampouco virariam os Imortais
que aprendemos a admirar e respeitar.
Engraçado. O apelido “Dom Casmurro” originou-se justamente por uma
introspecção talvez exagerada. Se fosse hoje, quem sabe, o sujeito tomaria o
trem [ou melhor, trem não; avião] sorrindo para todos, apresentando-se como
escritor e permitiria que os demais passageiros tirassem fotos com os seus
celulares de última geração.
Machado de Assis descrevia como ninguém o interior de uma alcova, os
quartos e cortinas, janelas, acontecimentos que se sucediam entre quatro
paredes. Depois registrava tudo com maestria. A pena na mão. Escrevia-se ali a
sentença de um juiz sobre a sociedade. Mas ele era também o defensor e o
acusador na figura de uma única pessoa. Era o Mestre. Era o dono da História.
Não estou aqui fazendo um falso proselitismo a favor de uma vida provinciana. Ou numa
linguagem mais clara: uma vida de bicho-do-mato. Acho que a modernidade nos
ajuda e muito! Contribui e muito! Ficar parado no tempo engessa o progresso [como
disse certa vez Ferreira Gullar], no entanto confesso que vejo certo charme nos
escritores que alcançam fama e respeito pelo que pensam. Pensam e não aparecem
em badalações e eventos sociais. Porque as suas ideias chegam antes [muito
antes!] aos seus leitores do que a necessidade de sua presença física em
qualquer lugar. E isso, em tempos atuais, é praticamente um milagre!
Lima Barreto conta, em Memórias do Escrivão Isaías Caminha, que sempre
se fechou para o que estava à sua volta e que, certo dia, quando resolveu
brincar com os colegas na escola, houve uma comemoração irônica por partes deles.
O menino que nunca se juntava ao grupo social de repente se juntou. Antes,
porém, de acontecer aquela brincadeira farrista com os colegas de classe, Lima
Barreto passou dias e mais dias atento ao pai, que era um homem muito culto, que
sabia como nenhum outro explicar o universo e as estrelas do céu.
Onde será que estão os "Casmurros" de hoje? Na melhor acepção do termo.
Será que ainda existem? Será
que se um dia a humanidade se cansar de tanto se enfeitar diante de uma
parafernália tecnológica, vai conseguir sobreviver ou cairá na desgraça cruel
do anonimato e da escuridão dos holofotes apagados?
Quem viver, verá.