Eu sou um deles. Sou um pequeno em meio a outros tantos pequenos. Alguns não pequenos, gigantes, frondosos, tais quais árvores centenárias que firmam presença sob a luz do sol através dos tempos. Sou grão em uma colagem mosaico que forma paisagem.
Sou um contador de histórias, na mais perfeita acepção do termo: vivo de contar e de inventá-las também, na maior parte das vezes. Um obcecado pelas relações humanas, pelos fatos que elas provocam. Pelas transformações que elas são capazes de induzir no próprio meio em que acontecem.
Mas como explicar o contraditório de dizer que as relações humanas são tão interessantes ao passo em que o mundo real, o mundo em que elas vivem, é tão apático e pouco atraente? Talvez por que a fantasia seja a encarregada de pincelar as cores que darão charme a um mundo desbotado, monocromático. Eu sempre preferi a fantasia. A realidade é mãe severa, dura de coração, enquanto a fantasia é mãe que cuida, que zela, que ri das travessuras do filho. Acho que por isso dou o braço a uma, mas é no colo da outra que eu pulo.
Contar histórias é um dom. É dádiva. É o único momento em que se sente ungido. Deixa-se de viver a própria vida para viver a vida de outros, de muitos... São personagens que nos arrebatam com uma paixão incrível e visceral. Noites inteiras são perdidas em uma incansável luta de somar pedaços que formarão uma estrada vez linha reta, vez sinuosa. Não se consegue pensar em mais nada que não o futuro daqueles seres que parecem sair do seu imaginário para te derrubarem da cama e eles sim adormecerem por ali, plenos de toda existência.
Penso que o contador de histórias é alguém que se propõe a passar o resto de sua vida a juntar letras que serão lidas, ouvidas, assistidas ou quem sabe até sonhadas por um outro alguém. É um sacerdócio prazeroso, sem crime, sem castigo, sem absolvição, sem desculpas ou justificativas por que habitamos o limbo das ideias. É um lugar mágico e praticamente espiritual de onde jamais pode brotar qualquer impureza.
Lembro de cada um que me apresentou as ferramentas que hoje uso para o meu ofício. Sim, eles são chamados de professores. Eles me apresentaram as letras, as frases, as palavras cheias de significados. Mas na minha visão, eles me apresentaram bem mais do que isso. Apresentaram-me um navio prestes a deslizar para um oceano imenso. De onde não se volta, mas se manda notícias a todo momento.
É gostoso estar aqui, escrevendo, dizendo, transmitindo clarões de pensamentos. Jogando com as palavras da mesma forma que elas jogam com as minhas emoções. E que emoções!
Nesse mundo de faz-de-conta tudo é permitido. As rédeas que a realidade me impõe são facilmente dribladas pela sedutora astúcia do imaginário. Ele é encantador. Envolvente. Um lord que se apresenta com capa e cartola, feito um ilusionista, e que me mostra possibilidades fantásticas. Ele me rouba o juízo e coloca sei lá o quê (mas que é muito bom) dentro da minha mente.
E se me perguntassem o porquê de existirmos, tenho certeza de que me fugiria uma resposta que convencesse a mim e ao outro. Acho que eu diria que existimos para tirar algo que sobra em um lugar para pôr em outro onde falta. Não dá para entender direito, eu sei, porém é mais ou menos isso. Talvez um Robin Hood da criação: tiramos do rico imaginário para dar onde falta à pobre realidade.
Fico tão emocionado em falar disso. É sério. É algo tão maravilhoso aos meus olhos, tão sublime, que chego a pensar que nenhum ser humano seria digno de receber essa incumbência. Não vou negar que surge um sofrimento, um percalço no caminho ora ou outra, mas não é de se admirar que nenhum de nós queira desistir, porque o caminhar compensa toda dor que possa surgir. É gostoso demais trilhar por um mundo que não me obriga à mediocridade simples do dia-a-dia.
Eu sou contador de histórias. Já falei, né? Pois é. Sou, mas não por que escolhi ser. Fui escolhido e isso sempre vai me bastar. Amém.
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