Será que é tão difícil para nós — enquanto seres viventes
e habitantes de
um mesmo planeta — aceitarmos a existência de nossos irmãos?
Irmãos porque somos colaterais uns dos outros da mesma espécie. Fisicamente as
diferenças entre nós são mínimas diante das semelhanças. Mas se todos são
realmente parecidos entre si, por que tanta discordância e desarmonia em um
mesmo habitat? Se nos aprofundarmos nessa reflexão, vamos descobrir que essas
discordâncias aparecem quando entramos na área em que justamente as diferenças
são mais latentes do que as semelhanças: a área do gosto pessoal de cada
indivíduo. É aí que a coisa complica!
Uma das definições da palavra “gosto”, segundo o dicionário Aurélio é:
“faculdade de julgar os valores estéticos segundo critérios subjetivos, sem
levar em conta normas preestabelecidas.”
Se não há norma preestabelecida, isto quer dizer que é livre a formação
dessa preferência. E esta não sofre qualquer influência direta de fatores
externos quanto à sua formação original. O que vai determinar se um gosto é bom
ou ruim, é a experimentação posterior. Quando ele nasce, porém, o que temos é
uma inclinação, uma tendência a perceber aquilo que nos agrada. Daí não existe
interferência nem mesmo de nós e tampouco dos outros. Tentar mudar o gosto de
alguém é tentar mudar a natureza, a concepção mais genuína de uma pessoa.
Há quem diga que é possível mudar sim uma preferência individual, no
entanto o que você pode é contê-la, represá-la, aprisioná-la ou simplesmente
não dar vazão a ela. Mudar, nunca. O que nasce de você e sequer está no seu DNA
(porque DNA é ciência, tem como ser ‘lido’) não tem como sofrer nenhum tipo de
manipulação ou doutrina externa. Como, por exemplo, pegar algo com as mãos se
este algo é invisível? Não tem como. O único controle que pode existir é o da
“não vazão”. É ignorar as próprias inclinações ou brigar o tempo todo com ela,
tentando dominá-la a qualquer custo. Isto, sem dúvida, é fonte de grande
sofrimento por parte daqueles que tomam esta decisão. É uma guerra constante
com o próprio eu, e esse eu, por ser invisível e imutável,
certamente será mais forte. Não tem como amputá-lo, tal qual se faria com um
membro físico que perdeu a sua função vital.
O problema é que ainda que tenhamos essa consciência, sempre vai
existir um outro, ou seja, um irmão de espécie que vai discordar da sua
natureza. E vai combatê-la. Esse é o motivo de tantos confrontos, de tanta
intolerância e até de guerras mundiais. A não aceitação do outro faz com que o
mundo em que vivemos fique em total desequilíbrio, porque damos continuidade a
uma batalha irracional e inútil de dominação.
Imaginar que um planeta habitado por bilhões de mentes e gostos
díspares uns dos outros e que, em algum momento, essas mentes partirão para o
conflito a fim de cada um tentar estabelecer o seu gosto pessoal, é assustador.
Não é apenas teoria que o mundo seria mais pacífico se todos aceitassem
as preferências alheias. É uma questão de lógica. Mas por que não há essa
aceitação? Simples. Porque colocamos interesses particulares — e muitas vezes
não ligados ao bem estar geral — acima do respeito que deveríamos ter com o
nosso irmão. Entender que o nosso direito termina quando começa o do outro
deveria ser natural. Mas infelizmente não é.
Fala-se muito em modernidade, em avanço da ciência, da tecnologia, das
comunicações, da medicina, entretanto pouco se fala em avanço da moral, da
ética e do respeito. Quando alguém cria uma lei para que determinados direitos
básicos sejam respeitados, não há qualquer razão para se comemorar. Ao
contrário, vejo com tristeza isso. Triste do povo que precisa de leis que o
obrigue a respeitar o direito do outro.
Teremos de fato um avanço útil e notável quando não precisarmos de leis
que assegurem os nossos direitos individuais e coletivos mais básicos. Não
adianta a sociedade avançar em outros aspectos se não avança no primordial: a
boa convivência entre os seus colaterais.
Chego a acreditar que tanto progresso em outros seguimentos satisfaz
uma condição imediatista do ser humano, capaz de jogá-lo num conformismo
arraigado.
Do que me adianta uma telefonia de longo alcance se eu não tiver com
quem falar? Ou do que me adianta uma rede social se for para apregoar o ódio e
por isso todos se voltarem contra mim? Do que me adianta prolongar a vida de um
paciente, se este não tiver vontade de voltar para a sua parentela?
O desrespeito está na religião, na etnia, na sexualidade, na cultura,
na educação [ou na falta dela], na raça e na cor.
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