Não é de hoje que ouço falar dos meios de entretenimento para a grande massa como algo de pouco ou nenhum valor cultural. As mídias especializadas nesse tipo de conteúdo sofrem com a não-aceitação e a crítica feroz das elites.
É como se houvesse uma hierarquia. Para os ricos, o melhor; para os pobres, um subproduto. Essa espécie de divisão busca valorizar ainda mais as classes privilegiadas, colocando-as num pedestal, como detentoras do que há de melhor em cultura. É uma tentativa de justificar por que uns têm mais do que outros.
O raciocínio é o seguinte: uma pessoa de instrução, bem articulada, que conheça países, fale idiomas, tenha acesso a bons lugares certamente justificará estes privilégios por meio do que chamo de demonização do entretimento para os mais desfavorecidos. Alguns privilegiados dirão: "Eu tenho mais que você porque eu tenho cultura, e você não."
Vale lembrar que o Brasil é um país onde a maior parte das pessoas vive na pobreza ou abaixo dela. Muitos não têm acesso a museus, livros, teatros, salas de cinema Não por que não querem. Mas por que não podem. Não me parece absurdo que um chefe de família compre um quilo de comida em vez de um ingresso de cinema, por exemplo.
Acho válido tudo que é feito para as massas. Para as classes mais pobres. Temos uma das melhores redes de entretenimento do mundo. Um meio de entretenimento injustamente depreciado é a telenovela. O Brasil conquistou know-how nesse setor e exporta suas produções para mais de cento e vinte países. Fora outras produções, como programas de auditório, transmitidos através das redes internacionais vinculadas às emissoras.
Precisamos parar de demonizar o que é de acesso fácil para esse grande público tão carente de cultura.
Por que não criar iniciativas governamentais que barateiem os custos das produções teatrais e assim tenhamos ingressos a preços populares? Da mesma forma, por que não o fazem com o cinema? Por que não há incentivo para que as pessoas ao menos uma vez visitem os museus de sua cidade? Por que não criar mais bibliotecas, com bons acervos? O Brasil também é reconhecido pelos imortais da Literatura, que muitos nunca nem ouviram falar.
A pobreza mais grave é a de informação. Um povo que desconhece os próprios valores é incapaz de conquistar uma melhor qualidade de vida.
A quem interessa a ignorância da população?
Penso que os que criticam o que é consumido pelo pobre, deveriam também se engajar em causas sociais que melhorem a vida dessas pessoas. Que ajudem a cobrar do Estado o que é dever dele: oferecer condições dignas para que o povo tenha uma boa educação e mais acesso à cultura geral. Mas por que não o fazem? Por que tão-somente criticar o mínimo que sobra para essas pessoas?
Há um grande desperdício de críticas nesse país. Há um vício de desvio de atenção. Perde-se muito tempo fazendo fumaça de gelo seco para simular incêndio.
Temos de cobrar cultura de quem realmente pode ajudar a difundi-la. Temos de cobrar, sobretudo, uma educação decente nas escolas. Distribuir livros. Incentivar a leitura. Fazer com que os grandes nomes de nossa arte sejam conhecidos pelos mais carentes. Criar meios que facilitem a formação do pensamento.
O pensamento é, sem dúvida, um dos bens mais preciosos que se tem. É através dele que descobrimos o mundo. É válido quando alguém, ao assistir uma novela, por exemplo, reflete sobre determinado personagem, sobre o seu conflito, e isso suscita uma discussão saudável acerca de algum tema.
Fico me perguntando se a internet também não está caminhando a passos lentos para a sua demonização frente as demais formas de aquisição de cultura.
Noto que há muito preconceito a tudo que nivela, de um certo modo, a sociedade. Existe uma resistência tácita que quer deter o conhecimento apenas para si. E que vê a expansão dos veículos de comunicação como uma verdadeira ameaça.
O conhecimento liberta, seja ele por que meio se dê. A parte boa da história é que o avanço das mídias continua a todo vapor, fortalecendo a democracia, valorizando e enriquecendo a interação entre os povos e suas culturas diversificadas.
Quem sabe daqui a alguns anos tenhamos uma sociedade de fato liberta do demônio da ignorância e do preconceito?
É ver pra crer!