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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Os enterros ao longo da vida

A morte é a certeza mais perfeita da vida. Tão certa e derradeira que vem o homem através dos séculos tentando de alguma forma adiá-la. Custa a nós aceitar o último suspiro ou o útlimo adeus. Penoso é ter de concordar com aquilo que não está ao nosso alcance de mudar. Negociar com o tempo o que a nossa existência nos impõe como regra, não é tarefa das mais agradáveis.

Ok.  Deixemos agora o lado sombrio da coisa. Façamos uma pergunta simples, porém conceitual: “Acaso nossa vida não é trajetória de velórios e enterros ao longo do tempo?”

Tudo parte de um recomeço. A morte física é o limite deste recomeço que se dá por todos os dias, meses e anos, enquanto seres viventes. Demarca quando esgotadas todas as possibilidades. Ao passo que os enterros que o destino nos impõe durante a nossa breve passagem pelo mundo cuida de fazer com que as coisas se renovem. A arte da volta, depois  daquele  velório ¾  sim!  porque  é  uma arte  ¾  nos ensina como dar início a um novo ciclo. A uma nova etapa.

Tal qual uma pessoa que sepulta um ente muito querido, assim o é quando enterramos amores, sonhos, projetos, pensamentos, ideias, etc. O indivíduo retorna daquele sepultamento e dali lança-se a uma nova jornada. Ora, por assim pensar, logo se conclui que a “morte” nem sempre é algo tão terrível, tampouco prejudicial a nós.

A incerteza do que há de vir pela frente contempla também a possibilidade de gratas surpresas! (por que não?) É preciso estar aberto às novas experiências que somente acontecem depois de outras tantas que foram enterradas.

Imagino uma pessoa que passou anos seguindo a uma determinada religião. Mais da metade de sua vida. E em algum momento torna-se adepta de uma outra ordem religiosa, totalmente contrária àquela que seguia antes. Essa “simpatia” pela nova religião jamais seria possível sem que as convicções da antiga fossem sepultadas. Da mesma forma que alguém que se apaixonou por mais uma vez, sepultou o sentimento que antes sentiu por outra pessoa.

Enterra-se um amor para que nasça e viva um novo amor; que se porventura for mais feliz que o anterior, comprovar-se-à então o benefício daquele “sepultamento”.

É extremamente necessário, porém, chorarmos os nossos “mortos”. Não deixá-los como fantasmas, não! Chorar, prantear por eles. Isto sem impedir o começo do novo ciclo. Viver o nosso luto é importante. Darmos a nós mesmos o direito do lamento não nos provoca fraqueza; ao contrário, é o juntar dos cacos, é a reunião incosciente de tudo que sobrou de nós. Vou mais adiante: é o princípio do nosso eu.

O problema é quando esse luto nos impede de crescer e evoluir como pessoa. Como tudo na vida, o luto deve ter tempo determinado. Mas deve acontecer, claro! Não de forma permanente, no sentido de que não consigamos mais estar abertos às novas experiências. O luto pode ser interno, desde que este não atrapalhe a conduta do recomeço externo, em nossas atitudes dali em diante.

O que me cabe dizer é que o recomeço sempre acontece de dentro para fora. Recomeça-se na alma para só então recomeçar na atitude. Por isso o luto interno tem de estar em harmonia com o externo, um não pode ser impeditivo do outro; ambos  devem  recomeçar, simultaneamente  ou não. Mas inevitavelmente em algum momento tem de haver sinergia entre ambos.

Estar de luto não quer dizer que a vida acabou junto com aquilo que sepultamos. No caso de um sonho antigo, não realizado e sepultado, é essencial que tenhamos a capacidade de criar novos sonhos e alcançar novos objetivos. Claro que o pranto pode ser longo ¾ não é fácil enterrar um sonho antigo ¾ mas o luto não não pode ensejar inércia e indiferença quanto ao futuro.

Acho que quase todo escritor enterrou algum livro que seria o primeiro de sua vida; enterrou com ele todos os seus personagens, todas as suas ideias. Lamentou por eles. Lamentou profundamente. No entanto, isto não o fez um fracassado. Quantos livros  um  escritor  genial  deixaria  de  oferecer aos  seus  leitores  caso  o  seu  luto  lhe  provocasse a indiferença? A história é reescrita constantemente, tal qual num livro de romance em  capítulos, ou em uma novela. Um capítulo morre para  começar outro.

Quando voltamos do enterro daquele ente querido, já no caminho, em luto, tomando consciência da inesperada realidade, sem que percebamos, ali cria-se um ponto de partida.  É preciso estar atento à essa sutileza. A dor  gera  uma  cegueira  momentânea,  que  é curada com o passar do tempo. E em ajuda ao tempo, cura-se a cegueira com o imprescindível exercício da sensibilidade diária.


5 comentários:

  1. Seguindo!

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  2. É muito legal ver que alguém (com muita lucidez!) vê a morte como um recomeço. Seja ele de qual natureza for. Excelente análise!

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  3. opa tudo bom, otímo blog, muito interessante.
    estou seguindo voce, siga-me tbm.
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  4. Seu texto me fez refletir sobre minha postura diante de algumas perdas... Lidar com a morte de sonhos e de vidas ainda é uma grande dificuldade para todos nós. Seu texto é esclarecedor e bastante reflexivo. Muito bom!

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  5. É como vc disse em seu texto..."o luto deve ter seu tempo determinado ou ele vai impedir nossa evolução"...E como é dificil as vezes aceitar e acreditar que a "morte" não é o fim e sim a chance de um recomeço bem mais venturoso, já que tivemos a oportunidade de aprender, se deixarmos o egoísmo de lado certamente a evolução será gratificante! Maravilhoso! Parabéns...

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