Estava há pouco fazendo a minha barba. Amanhã embarco logo cedo para
Belo Horizonte (ou será hoje?) Enfim, voltarei à noite. Enquanto eu deslizava em meu
rosto a máquina de aparar pelos, ao som da JB FM (claro!!), imediatamente
comecei a lembrar d’outros tempos. De fatos e situações pelas quais já passei ao
longo desses 32 anos vividos. Lembrei de tanta coisa: de sonhos, de pesadelos,
de anseios, de pessoas que chegaram, de pessoas que se foram... A minha
conclusão foi de que nem sempre o momento atual é aquele que esperávamos viver.
Parece meio óbvio, né? E é!
A graça da vida consiste justamente em atirarmo-nos de cabeça no oceano
misterioso do porvir. Encontrei muitas alegrias no meu momento atual. Ri
sozinho de um cotidiano que, de tão simples, outrora me parecia impossível.
Mas nem tudo “são flores”. Encarei dificuldades e percebi que cresci
mais do que imaginava. Embora eu conserve ainda aquele lado menino, que corre
para os braços da mãe vez ou outra, sempre passo por um instante de
decisão, de Daniel na cova dos leões. Ou uma espécie de arena, onde sou
gladiador de mim mesmo.
Tomo banho, visto meu pijama de cetim ao tempo em que Lulu Santos canta
na rádio “Como Uma Onda no Mar”. E não é que a música parece trilha sonora dos meus pensamentos? É
exatamente assim que funciona a vida: como onda no mar.
Deixar-se levar é uma virtude. Mas por que diabos a gente tenta de
qualquer maneira alterar ou controlar o curso do destino? Que raio de medo é
esse que temos incutido dentro de nós, que de certa forma nos deixa em alerta
constante? Mas alerta em função de quê, meu Deus? Qual o motivo de tanto medo
em deixarmos a ordem natural das coisas seguirem o seu rumo? Será medo de
sofrer? De nos decepcionarmos? Ou simplesmente medo de sermos contrariados em
nossa vontade tão qual o medo de uma criança pirracenta?
Olho para o meu polegar e vejo que sangra a minha cutícula. Maldito
vício de roer as unhas, e essa é uma forma inconsciente de dizer que se tem
medo, ou no mínimo um receio bobo. É sinal de que algo não está bem ou que está
ligeiramente nos perturbando. O pior é que por mais que o ferimento cause
dor, uma hora eu o esqueço e lá estarei roendo as unhas novamente. Ressurge também o outro vício: o de tentar controlar os acontecimentos
conforme a nossa vontade? Percebemos o quão isso é impossível e quebramos a
cara muitas vezes, porém não demora para que voltemos a fazer tudo de novo. É a
unha e a cutícula que crescem. É o destino comandando. É a unha na boca, sendo
cortada, dilacerada. É a nossa infinita e libidinosa mania de tentar moldar as
circunstâncias de acordo com a nossa vontade.
Notei que hoje estou menos didático nas minhas divagações tolas. Será
que mudei muito desde o meu último texto?
Talvez seja o próprio destino me acenando gentilmente que ele continua por aqui. Ele quer me provar que algo soberano paira sobre nós. Uma
vontade maior. Vai ver que é desse modo que dizem que “o universo conspira a
nosso favor.”
Considerando que o fim da vida é a morte, logo não é difícil entender
que coisas se modificam durante o tempo todo da nossa vil existência. E isso
não depende de aceitação. Simplesmente modificam e ponto.
Bem, já passa da meia noite. Tenho que dormir e não posso me dar ao
luxo de ficar aqui escrevendo minhas bobagens. Às quatro preciso já estar de
pé. Daqui para o Santos Dumont é uma longa caminhada.
Neste exato minuto está tocando na rádio “Chão de Giz.” Amo essa música. Principalmente a versão original com o inoxidável Zé
Ramalho. Sou fã!
Antes de eu tomar o meu remedinho da noite e desmaiar de vez na cama,
registro aqui uma espécie de oração que deveríamos fazer todos os dias: “Que
amanhã, Senhor, seja melhor do que hoje. Que o meu destino traga o melhor para
mim e para todos os que amo. Aos que me odeiam, flores e perdão. Aos que me
amam, flores e lugar cativo no meu lado esquerdo do peito. Que o medo se torne um
hábito do passado e que a renovação me venha leve e agradável como um sopro de
brisa. Amém.”
E até breve.