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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O mundo espiritual e suas codificações

Há muitas controvérsias acerca da existência de um mundo paralelo, digamos assim, que comanda todos os desígnios desse mundo humano em que vivemos. Estou falando do mundo espiritual. Seja você religioso, ateu, agnóstico, crédulo ou incrédulo, ou que simplesmente nunca tenha pensado a respeito, a verdade é que nosso mundo terreno está cheio dessas codificações que sustentam a visão do algo “além de nós”.

Uma forma prática de perceber esses códigos é quando vamos a uma cerimônia fúnebre. Tudo que ali está guarda um significado que se refere à “passagem” que o indivíduo faz de um mundo para o outro. E curioso é que mesmo os que não crêem nessa comunicação entre dois planos existenciais diferentes, reconhecem e compreendem o sentido daqueles rituais. Nota-se que a existência dos códigos independe da comprovação do fato a que eles se destinam. É como se os hábitos fossem a própria representação materializada do outro mundo. Fica a pergunta se isso já não é o suficiente para afirmar a realidade do plano superior em nossas vidas tão terrenas e passageiras.

Outros códigos também estão presentes em nosso cotidiano ainda que não sejam tão perceptíveis. Quando passamos por alguma situação difícil em que nos vemos quase em um “beco sem saída”, é comum apelarmos para uma salvação que transcende a racionalidade. Esse apelo varia de pessoa para  pessoa, porque há quem conte as  suas  aflições  para  o  acaso,  ou  até  mesmo para o nada, e há quem se dirija especificamente para um Ser Supremo de sua devoção e fé.

As opiniões diversas a respeito desse assunto, queira ou não, acabam por manter vivas no consciente coletivo as indagações sobre os mistérios que envolvem a nossa existência. Por vezes parece irracional pensar que somos tão auto-suficientes sem uma interferência superior. Como explicar então tantas coisas incríveis que acontecem? Como explicar verdadeiros milagres no campo da medicina, por exemplo? Será que a sorte pode  justificar  tantos  fatos  ainda  inexplicáveis que hora ou outra nos surpreendem sem o menor nexo de razão? E se a sorte fosse uma das vertentes da fé? Ou até mesmo uma forma de fé porém com outro nome, que é provocada justamente pela força do nosso querer interior quando este entra em contato com um plano extraterreno?

Talvez nunca cheguemos a uma resposta exata. Aliás, exatidão não cabe em um assunto que pressupõe forças ocultas além do nosso entendimento.

E as religiões estão aí para fortalecer a nossa crença nessas forças. Cada uma vai atribuir a um Deus, ou a vários deuses, ou a entidades, o domínio sobre tudo que nos acontece, sejam coisas boas ou más. É como se o Ser Superior fosse o escritor, e nós os seus personagens; no entanto, sem que essa escrita necessite de uma lógica.

Acho que tudo é possível para quem crê. A fé nasce dentro de cada um, e ela não reconhece religião, mas sim o desejo da nossa alma. Acredito que qualquer ser humano é capaz de transpor obstáculos por pior que sejam, e aí sim acontece a conexão com algo muito maior.

Quando escrevi o texto da peça “Amor, Promessa e Castigo”, mergulhei na história bíblica de Ana, esposa de Elcana, e que não podia dele engravidar. Elcana era também casado com Penina, que gerava filhos e filhas. Penina humilhava Ana e a fazia chorar dias e noites. Porém Ana manteve a sua fé inabalável e assim, segundo a história cristã, o Senhor concedeu um milagre a ela, que acabou por engravidar e deu à luz Samuel. Foi impossível para mim não meditar sobre a fé. Terminei o texto da peça, que não conteve nenhum caráter religioso, mas fiquei pensando na história bíblica, que final teria se Ana não guardasse uma grande fé dentro de si. E me questionei se não era possível que houvesse outras Anas vivendo aquela situação.

Que códigos aquela mulher reconhecera como sendo indicador de um milagre? Faz pensar que em dados momentos cabe a nós decifrar a codificação do mundo espiritual, se acharmos conveniente acreditarmos nele.

Num raro momento de descontração, enquanto escrevo essas linhas, lembrei daquela famosa frase em espanhol: y no creo em brujas, pero que las hay, las hay.”

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O amor, o amar e as suas formas

De todos os sentimentos capazes de serem experimentados pelo ser humano, o amor certamente é aquele que mais influencia no nosso modo de pensar e agir ao longo da existência. É ele quem dita a maior parte de nossas atitudes e estabelece uma incrível comunicação com o outro.

Existem vários tipos de amor: o de mãe por um filho, o de avô por um neto, o de um homem por um animal. Os relacionamentos amorosos entre duas pessoas que se apaixonam é o que se destaca na sociedade por ser uma experiência de total confiança e apego ao “objeto” da paixão. É como se o apaixonado fosse um pássaro ganhando vôo livre, embora não saiba o que há de encontrar em sua jornada pelo céu.

Vejo diferença entre amor e amar. O primeiro é fato concluído em si mesmo, enquanto o segundo é doação sem que necessariamente haja uma entrega total a uma única pessoa. Amar é ato gratuito, difuso e parte de dentro para fora; ao contrário do primeiro, que é quase empírico, parte de um princípio, de uma experiência, por vezes de um primeiro contato, para que assim se estabeleça no campo afetivo.

Alguns exemplos do amar são vistos com freqüência em religiosos que dedicam suas vidas a ajudar o próximo. São capazes de enxergar em seu semelhante a própria face. Essas pessoas têm uma visão horizontal. Ao passo que o amor, a depender do ponto de vista, é perpendicular. Segue uma ordem de baixo para cima.

Ainda no caso do relacionamento amoroso entre casais, muito nota-se um “abaixo” do outro, sempre esperando que aquele lhe traga e lhe dedique uma atenção e um carinho que ele não consegue dar a si mesmo.

Diz a bíblia que Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu filho unigênito como sacrifício pelo bem da humanidade. Independente da crença religiosa, este seria um bom exemplo de amar. Deus amou o mundo. Por sua vez, um exemplo de amor seria o caso da mãe que deixa de comer para ceder o alimento ao filho.

Nada se justifica sem amor. É um sentimento cego. É aquele que possui um arbítrio irrestrito sobre nós. Não se tem capacidade maior para determinar pensamentos, atitudes e modo de ser.

Já disseram que a medida da dor é a mesma medida do amor. O tanto que se ama, é o tanto que se sofre por esse amor.

A manifestação suprema do amar e do amor tem variadas formas, pode se apresentar de diversas maneiras, por vezes de modo subjetivo, implícito. Pode ser um gesto, uma palavra, um sussurro ou até mesmo um prolongado silêncio. É como se o que sentimos transbordasse e fosse desaguar no outro sem a necessidade de consentimento.

Nos primórdios da humanidade, o sexo se sobrepunha ao amor por uma lógica que visava perpetuar a espécie. O amor [se viesse] viria mais tarde. Hoje pensamos no amor antes do sexo. O mais curioso é saber que a valorização do sentimento trouxe não só a felicidade, mas o sofrimento também. Os conflitos amorosos tomaram conta da sociedade tanto quanto a possibilidade que ganhamos de amar.

Há quem diga que prefere evitar o amor como forma de se proteger das desilusões futuras. Outros apregoam que o amor e a liberdade são opostos e que nunca chegam à pacificação.

No século XIX era romântico sofrer por amor. Em tempos atuais é comum percebermos que o sofrimento tornou-se algo quase patológico, freando e reprimindo cada vez mais os sentimentos, e em alguns casos provocando lesões irreparáveis à autoestima.

Muito se fala na “revolução sexual” da década de 60, e alguns estudiosos afirmam que esse momento histórico fortaleceu a liberdade nos relacionamentos interpessoais. Por outro lado, houve um decréscimo do romantismo d’outros tempos. Passou a existir um maior “poder de escolha” no campo afetivo e sexual. O problema é que o amor não acompanha as mudanças do tempo, é inadaptável à razão, aos conceitos, daí o motivo de tanta controvérsia e amargura.

Amar é mais abrangente e por isso sempre faz bem para o corpo e alma. O amor é singular, enquanto amar é plural. Doar um pouco de nós para os outros, desfazendo-se de qualquer traço de individualismo, é divino. É exercício pleno da nossa condição humana.

E como diz a música: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.

quinta-feira, 1 de março de 2012

A piada que só é engraçada para quem faz


Perdi a conta de quantas piadas já ouvi na vida. São tantas que algumas se repetem de boca em boca. Muitas cheias da criatividade, outras com tintas fortes de malícia. Os temas são variados: tem a do gay, do aleijado, do papagaio, do anão, do leão, etc.

Quando criança eu adorava ouvir piadas, mas não sabia contar. O que mais me instigava era tentar adivinhar qual seria o desfecho da história, qual a moral; ficava preocupado em entender, por medo de que todos rissem e eu não. As que eu não entendia, depois eu perguntava baixinho para quem estivesse próximo e ria atrasado, mas era bom ouvir.

Hoje raramente ouço alguém contar uma piada. Não sei se as pessoas perderam o hábito de contar ou se fui eu quem perdeu o de ouvir.

Confesso que o meu senso crítico ficou muito chato. Passei a me policiar sobre o que de fato merecia o meu riso. Saber diferenciar o que é engraçado e o que é de mau gosto. Isto porque há piadas que são engraçadas apenas para quem faz. São aquelas discriminatórias, ou cheias de preconceito cujo intuito é tentar alcançar o humor através da ridicularização do outro.

Concordo que o ser humano precisa ter a capacidade de rir de si mesmo. O problema está quando a finalidade é somente debochar de alguém ou de algo, aí que a piada perde a graça. Quando a usamos para apontar defeitos, imperfeições, fazer críticas maldosas ou até mesmo ofender. O que às vezes parece uma anedota inocente, pode na realidade ser uma ofensa disfarçada.

Nunca entendi por que o ser humano tem o estranho prazer de rir da desgraça alheia. Quando alguém vai ao circo, por exemplo, assistir a um domador de feras, a expectativa é de que o leão consiga devorar o domador. A "graça" é esta.

Os jornais mais vendidos são os que estampam suas capas com fotos sensacionalistas. O horror é mais atraente do que a beleza. Do mesmo modo como alguém prontifica-se a ouvir algo triste que outra pessoa vai lhe contar, mas não se interessa de ouvir quando o assunto é "leve" ou banal.

Imaginar a dor do outro sem que a gente esteja passando por ela causa um certo frisson. E uma automática sensação de alívio, que nós dá a falsa impressão de que estamos "a salvo".

Assim é com a piada ofensiva. Colocamos o outro numa situação vexatória enquanto nós damos risadas. Ficamos de fora, como se fôssemos meros expectadores.

Acho que deveríamos fazer piadas para o outro, e não do outro. Em um mundo em que as pessoas se encontram tão fragilizadas em sua auto-estima, é quase uma agressão condutas que soem como ridicularização e desmoralização.

Vejo essa prática em certos programas de humor, em que deveriam tomar mais cuidado, serem mais responsáveis com o teor de suas "brincadeiras". Não esquecer que tem uma pessoa de carne e osso ali do outro lado assistindo. E esse que assiste pode sim se sentir ofendido. A linha que separa uma piada sadia de outra de extremo mau gosto é muito débil.

Não estou defendendo aqui nenhum tipo de censura! De forma alguma! Sou radicalmente contra qualquer tipo de medida que limite a criação artística e a liberdade de expressão. O que defendo é uma responsabilidade ética e moral nas mídias, onde não haja brecha que possibilite a disseminação do preconceito.

Não sei se estou parecendo mal humorado, mas também nunca achei a menor graça em ver as pessoas se machucarem. Tem gente que tem crises de riso ao ver uma pessoa tomar um tropeção na rua, por exemplo. Tudo bem, há casos nada graves em que se é possível achar alguma graça. Porém ri-se até de uma pessoa que leva um tombo e fratura o crânio. Na hora, o riso; depois, o socorro ao acidentado.
 
Se tomarmos por base a burguesia da Londres do século dezoito, veremos que a fome do ser humano pela desgraça alheia é antiga. As damas inglesas, naquele tempo, pagavam para visitar os sanatórios com o objetivo de divertir-se atormentando os loucos. Era considerado um programa "de família", muito comum entre os nobres.

Fico me perguntando se nós, ao acharmos graça numa piada de mau gosto, ou no tombo de uma pessoa que atravessava a rua e quase foi atropelada, não estaríamos repetindo a mesma conduta das senhoras inglesas do século dezoito.

Acho que ainda passarão muitos anos sem que saibamos como funciona a mente humana. É um mistério a ser desvendado. Por que a dor do outro é tão satisfatória? Por que a desgraça ocupa tanto destaque no nosso dia-a-dia? Vale a pena fazer uma análise.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A demonização do entretenimento de massa

Não é de hoje que ouço falar dos meios de entretenimento para a grande massa como algo de pouco ou nenhum valor cultural. As mídias especializadas nesse tipo de conteúdo sofrem com a não-aceitação e a crítica feroz das elites.

É como se houvesse uma hierarquia. Para os ricos, o melhor; para os pobres, um subproduto. Essa espécie de divisão busca valorizar ainda mais as classes privilegiadas, colocando-as num pedestal, como detentoras do que há de melhor em cultura. É uma tentativa de justificar por que uns têm mais do que outros.

O raciocínio é o seguinte: uma pessoa de instrução, bem articulada, que conheça países, fale idiomas, tenha acesso a bons lugares certamente justificará estes privilégios por meio do que chamo de demonização do entretimento para os mais desfavorecidos. Alguns privilegiados dirão: "Eu tenho mais que você porque eu tenho cultura, e você não."
 
Vale lembrar que o Brasil é um país onde a maior parte das pessoas vive na pobreza ou abaixo dela. Muitos não têm acesso a museus, livros, teatros, salas de cinema Não por que não querem. Mas por que não podem. Não me parece absurdo que um chefe de família compre um quilo de comida em vez de um ingresso de cinema, por exemplo.

Acho válido tudo que é feito para as massas. Para as classes mais pobres. Temos uma das melhores redes de entretenimento do mundo. Um meio de entretenimento injustamente depreciado é a telenovela. O Brasil conquistou know-how nesse setor e exporta suas produções para mais de cento e vinte países. Fora outras produções, como programas de auditório, transmitidos através das redes internacionais vinculadas às emissoras.

Precisamos parar de demonizar o que é de acesso fácil para esse grande público tão carente de cultura.

Por que não criar iniciativas governamentais que barateiem os custos das produções teatrais e assim tenhamos ingressos a preços populares? Da mesma forma, por que não o fazem com o cinema? Por que não há incentivo para que as pessoas ao menos uma vez visitem os museus de sua cidade? Por que não criar mais bibliotecas, com bons acervos? O Brasil também é reconhecido pelos imortais da Literatura, que muitos nunca nem ouviram falar.

A pobreza mais grave é a de informação. Um povo que desconhece os próprios valores é incapaz de conquistar uma melhor qualidade de vida.

A quem interessa a ignorância da população?

Penso que os que criticam o que é consumido pelo pobre, deveriam também se engajar em causas sociais que melhorem a vida dessas pessoas. Que ajudem a cobrar do Estado o que é dever dele: oferecer condições dignas para que o povo tenha uma boa educação e mais acesso à cultura geral. Mas por que não o fazem? Por que tão-somente criticar o mínimo que sobra para essas pessoas?

Há um grande desperdício de críticas nesse país. Há um vício de desvio de atenção. Perde-se muito tempo fazendo fumaça de gelo seco para simular incêndio.

Temos de cobrar cultura de quem realmente pode ajudar a difundi-la. Temos de cobrar, sobretudo, uma educação decente nas escolas. Distribuir livros. Incentivar a leitura. Fazer com que os grandes nomes de nossa arte sejam conhecidos pelos mais carentes. Criar meios que facilitem a formação do pensamento.

O pensamento é, sem dúvida, um dos bens mais preciosos que se tem. É através dele que descobrimos o mundo. É válido quando alguém, ao assistir uma novela, por exemplo, reflete sobre determinado personagem, sobre o seu conflito, e isso suscita uma discussão saudável acerca de algum tema.

Fico me perguntando se a internet também não está caminhando a passos lentos para a sua demonização frente as demais formas de aquisição de cultura.

Noto que há muito preconceito a tudo que nivela, de um certo modo, a sociedade. Existe uma resistência tácita que quer deter o conhecimento apenas para si. E que vê a expansão dos veículos de comunicação como uma verdadeira ameaça.

O conhecimento liberta, seja ele por que meio se dê. A parte boa da história é que o avanço das mídias continua a todo vapor, fortalecendo a democracia, valorizando e enriquecendo a interação entre os povos e suas culturas diversificadas.

Quem sabe daqui a alguns anos tenhamos uma sociedade de fato liberta do demônio da ignorância e do preconceito?

É ver pra crer!

A sociedade cria monstros

Incrível o patamar de violência a que se tem chegado em alguns setores da sociedade. Nas escolas, a maldade que antes era quase anônima, hoje é internacionalmente conhecida por bullying.
 
O tal bullying, na minha forma de pensar, é tão antigo quanto o laboratório do Dr. Victor Frankstein e de seu monstro, que levava o mesmo sobrenome. Só que no caso da vida real, criador e criatura se excedem em seus papéis e o apelo romanesco perde espaço para as grandes tragédias sociais. Ex alunos que invadem as escolas sedentos por sangue, por exemplo.

A responsabilidade de acabar com essas fábricas de monstros não é do Estado. Mas sim de quem contribui para que ele tome forma e saia por aí fazendo as suas vítimas.

Quem fabrica o monstro?

Quem fabrica é quem exerce algum tipo de poder sobre o "material bruto" do qual ele é formado. Vindo à realidade e fazendo uma analogia com o que já foi dito, basta falar que uma criança é um material bruto, tal qual uma pedra que deve ser lapidada para alcançar rara beleza. A rara beleza da realidade é o caráter, que deve ser modelado pelos pais. Lembrando que cada um já nasce com uma tendência de caráter, por isso é importante o acompanhamento direto dos pais.

Os professores apenas trabalham e complementam aquilo que a criança traz de casa. De modo que um marceneiro precisa de uma boa peça de madeira para que o seu trabalho saia a contento. Uma peça de má qualidade jamais poderá transformar-se num móvel primoroso.

É preciso investigar quais os valores que tomamos como base. Vale lembrar que uma criança tem como certo tudo aquilo que lhe é ensinado. É fato nem todo filho concorda com aquilo que aprende, mas a base que ele recebe quando criança é imutável.

Por outro lado, a ausência ou omissão dos pais também serve como alavanca para a formação do caráter de um indivíduo. Voltando à pedra que deve ser lapidada, imaginemos que essa pedra fique abandonada ao léu, sendo esculpida por fatores externos que não os de sua natureza original. Fatalmente vão aparecer imperfeições em sua forma. Claro! O material usado na sua formação também foi imperfeito, logo não teria como ser diferente dele.

A sociedade, por sua vez, faz vistas grossas ao que julga "normal". Acha normal crianças se agredirem, se ofenderem em pleno ambiente escolar. Ah, coisa de criança! ¾ é a justificativa. Não é difícil o pai achar bacana, como prova de masculinidade, o filho agredir o coleguinha mais fraco ou o "mais estranho" da turma. O problema é que aquele coleguinha frágil, indefeso, vai crescer e pode reclamar anos mais tarde todas as humilhações pelas quais passou.

A sociedade odeia a injustiça (alunos inocentes morrerem), mas não odeia o injusto (o filho que pratica o bullying contra outra criança). É uma relação de amor e ódio. O conceito do que é normal ou não, dentro deste assunto, ainda não ficou bem esclarecido; não gera consenso nem entre os especialistas.

A população se acostuma com velhos hábitos e depois não consegue revê-los, reavaliá-los. É muito difícil falar para alguém que algo é errado quando ela passou a vida toda achando que era o correto, ou que era natural. A mudança para todo esse caos passa justamente pela ideia de rever conceitos, reformular pensamentos.

É indispensável a participação do professor nessa reformulação de conceitos. Os esforços devem ser de responsabilidade de todos.

Nenhuma mudança é possível sem a cooperação das várias partes envolvidas. Há de se pensar que o objetivo é comum a todos. Já é tempo de fecharmos as fábricas de monstros. Precisamos formar cidadãos de bem. É necessário que a sociedade tenha ânimo da mudança, partindo da educação familiar. Dos valores que são agregados à pessoa desde a sua infância.

Talvez a minha afirmação pareça pessimista, porém acredito que a sociedade cria os seus monstros e depois não sabe lidar com eles. Isso faz um link com outro assunto, que é o nosso sistema penitenciário, que não recupera o indivíduo; ao contrário, é sabido que a maior parte dos detentos "evoluem" na escala do crime quando apenados. É o velho método de atacar a consequência e não a causa, gerando um círculo vicioso.

Talvez tratar a consequência seja mais rápido e prático do que investigar a causa.

Há algo de muito errado. Se não começarmos a mudar de agora o nosso comportamento diante de alguns fatos, um colapso social será inevitável; onde a violência se tornará algo tão banal que deixará de nos provocar indignação. É aí que mora o perigo...

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Os enterros ao longo da vida

A morte é a certeza mais perfeita da vida. Tão certa e derradeira que vem o homem através dos séculos tentando de alguma forma adiá-la. Custa a nós aceitar o último suspiro ou o útlimo adeus. Penoso é ter de concordar com aquilo que não está ao nosso alcance de mudar. Negociar com o tempo o que a nossa existência nos impõe como regra, não é tarefa das mais agradáveis.

Ok.  Deixemos agora o lado sombrio da coisa. Façamos uma pergunta simples, porém conceitual: “Acaso nossa vida não é trajetória de velórios e enterros ao longo do tempo?”

Tudo parte de um recomeço. A morte física é o limite deste recomeço que se dá por todos os dias, meses e anos, enquanto seres viventes. Demarca quando esgotadas todas as possibilidades. Ao passo que os enterros que o destino nos impõe durante a nossa breve passagem pelo mundo cuida de fazer com que as coisas se renovem. A arte da volta, depois  daquele  velório ¾  sim!  porque  é  uma arte  ¾  nos ensina como dar início a um novo ciclo. A uma nova etapa.

Tal qual uma pessoa que sepulta um ente muito querido, assim o é quando enterramos amores, sonhos, projetos, pensamentos, ideias, etc. O indivíduo retorna daquele sepultamento e dali lança-se a uma nova jornada. Ora, por assim pensar, logo se conclui que a “morte” nem sempre é algo tão terrível, tampouco prejudicial a nós.

A incerteza do que há de vir pela frente contempla também a possibilidade de gratas surpresas! (por que não?) É preciso estar aberto às novas experiências que somente acontecem depois de outras tantas que foram enterradas.

Imagino uma pessoa que passou anos seguindo a uma determinada religião. Mais da metade de sua vida. E em algum momento torna-se adepta de uma outra ordem religiosa, totalmente contrária àquela que seguia antes. Essa “simpatia” pela nova religião jamais seria possível sem que as convicções da antiga fossem sepultadas. Da mesma forma que alguém que se apaixonou por mais uma vez, sepultou o sentimento que antes sentiu por outra pessoa.

Enterra-se um amor para que nasça e viva um novo amor; que se porventura for mais feliz que o anterior, comprovar-se-à então o benefício daquele “sepultamento”.

É extremamente necessário, porém, chorarmos os nossos “mortos”. Não deixá-los como fantasmas, não! Chorar, prantear por eles. Isto sem impedir o começo do novo ciclo. Viver o nosso luto é importante. Darmos a nós mesmos o direito do lamento não nos provoca fraqueza; ao contrário, é o juntar dos cacos, é a reunião incosciente de tudo que sobrou de nós. Vou mais adiante: é o princípio do nosso eu.

O problema é quando esse luto nos impede de crescer e evoluir como pessoa. Como tudo na vida, o luto deve ter tempo determinado. Mas deve acontecer, claro! Não de forma permanente, no sentido de que não consigamos mais estar abertos às novas experiências. O luto pode ser interno, desde que este não atrapalhe a conduta do recomeço externo, em nossas atitudes dali em diante.

O que me cabe dizer é que o recomeço sempre acontece de dentro para fora. Recomeça-se na alma para só então recomeçar na atitude. Por isso o luto interno tem de estar em harmonia com o externo, um não pode ser impeditivo do outro; ambos  devem  recomeçar, simultaneamente  ou não. Mas inevitavelmente em algum momento tem de haver sinergia entre ambos.

Estar de luto não quer dizer que a vida acabou junto com aquilo que sepultamos. No caso de um sonho antigo, não realizado e sepultado, é essencial que tenhamos a capacidade de criar novos sonhos e alcançar novos objetivos. Claro que o pranto pode ser longo ¾ não é fácil enterrar um sonho antigo ¾ mas o luto não não pode ensejar inércia e indiferença quanto ao futuro.

Acho que quase todo escritor enterrou algum livro que seria o primeiro de sua vida; enterrou com ele todos os seus personagens, todas as suas ideias. Lamentou por eles. Lamentou profundamente. No entanto, isto não o fez um fracassado. Quantos livros  um  escritor  genial  deixaria  de  oferecer aos  seus  leitores  caso  o  seu  luto  lhe  provocasse a indiferença? A história é reescrita constantemente, tal qual num livro de romance em  capítulos, ou em uma novela. Um capítulo morre para  começar outro.

Quando voltamos do enterro daquele ente querido, já no caminho, em luto, tomando consciência da inesperada realidade, sem que percebamos, ali cria-se um ponto de partida.  É preciso estar atento à essa sutileza. A dor  gera  uma  cegueira  momentânea,  que  é curada com o passar do tempo. E em ajuda ao tempo, cura-se a cegueira com o imprescindível exercício da sensibilidade diária.


Não se deve compartilhar infelicidade

Em certa ocasião fiquei sabendo de uma pesquisa onde constatou-se que a maior parte dos casamentos se desfazem antes de completarem cinco anos. As causas alegadas por esses casais que não deram certo são as mais diversificadas, e abrange desde a temida infidelidade até uma simples discussão de fim de semana. E isto é o que se tem de menos grave para se falar em separação. Em alguns casos, a violência doméstica é um fator dominante, motivada quase sempre por consumo de drogas e problemas com alcoolismo.

Mas saindo da parte “técnica” da coisa ¾ se é que podemos classificar assim dados tão alarmantes ¾ fico me perguntando o que leva de fato milhares de casais ao divórcio. Será que as pessoas descobrem-se infelizes depois do casamento? Acho que não.

Não me cabe aqui analisar, julgar ou discorrer sobre qualquer assunto que não me caiba um conhecimento mais aprofundado. No entanto, há tempos que eu parto do princípio de que as pessoas já se casam infelizes. Sim! O que acontece é que o apelo da sociedade é tão grande em prol da formação de uma família ¾ tipo comercial de margarina ¾ que as pessoas casam-se sem muito esforço e deixam o lado chato e burocrático só para os trâmites legais. Ninguém nunca quer tramitar consigo mesmo, com as suas próprias razões, ou com o próprio eu.

O medo da solidão também é um fator para haver tantos casamentos protocolares, aqueles em que o entusiasmo fica por conta de um sorriso numa foto para pôr no álbum, de recordação. Mas recordar o quê? Do que dia em que se casaram como se estivessem assinando um contrato de sociedade?

É claro que existem muitos casamentos felizes. Muitos mesmo. Porém vou arriscar dizer que se trata da minoria, infelizmente.

Daí, você que acompanha esse texto, pode estar se perguntando onde eu quero chegar falando do casamento dos outros. Muito simples: quero falar  da  infelicidade,  da  insatisfação  pessoal  e mal  resolvida  que  faz  com  que  alguns  se  casem e transmitam esse fardo a um outro alguém, inocente na história.

Não estou apregoando aqui a falência do casamento ou a descrença na vida conjugal. Estou fazendo o raciocínio lógico de que infelicidade não se divide, ou não se deve dividir. Se o indivíduo tem uma insatisfação plena consigo mesmo, não é aconselhável que ele se una a alguém porque é quase certo que ele fará o seu parceiro ou parceira infeliz igualmente.

O raciocínio é matemático também: um infeliz é menos que dois infelizes. No caso dessa proporção, a lógica é inversa ¾ quanto menos, melhor. Porque no casamento esse número pode ficar até bem maior, um casal há de se propor a ter filhos, criar uma família, e só Deus sabe quantos vão experimentar o peso de uma infelicidade  alheia  mal  resolvida.  Por isso usei o casamento como  parâmetro,  porque  é  justamente  com  ele que  uma  doença  da  alma  pode  se  alastrar  e  fazer  tantos  sofrerem.

As amizades, da mesma forma, estão sujeitas a esse mal. Quantos não dizem que depois que conheceram e passaram a conviver com fulano, a vida não “desandou”, ou que ficaram de uma hora para outra infelizes, irritadas ou insatisfeitas sem causa aparente?

A coisa mais preciosa que temos para dividir enquanto estivermos nesse mundo é a tal felicidade. Essa que se deve buscar de forma incansável, perseverante! Felicidade contagia os que estão ao redor. Preenche a alma. É como luz que transpassa e vai alcançar o outro.
Mas o que é a felicidade?

É uma pergunta difícil de responder. Mas digo que felicidade é a satisfação de estar bem consigo e com o mundo. É não se incomodar se a grama do vizinho é mais verde que a sua. É agradecer a Deus cada segundo de mais um dia de vida. É se sentir participante e responsável zeloso por uma história que em que não há apenas um personagem, mas vários! É dever de cuidado, com as outras pessoas, com a natureza, com os animais. É saber respeitar a si mesmo e ao próximo, e se perdoar pelas falhas cometidas e aprender com elas.
Felicidade tem que ser uma filosofia de vida. Eliminar de nós aquilo que nos faz mal. Saber identificar o que é preciso mudar, ou melhorar. Nesse mundo temos sempre alguém esperando por nós ali adiante, e é bom que cuidemos do nosso espírito. Melhoremos as nossas atitudes.
Está certo que muitos dizem que ninguém é feliz de tudo, mas seria ótimo que ninguém também fosse infeliz de tudo. O “infeliz de tudo” é aquele que permite que apenas o seu lado ruim prevaleça e acaba  repartindo-o com os outros.

Não se deve compartilhar infelicidade, fato!


O peso é dado a quem consegue suportá-lo (os verdadeiros heróis)

Nos meus tempos de criança, na adolescência e até mesmo hoje, na fase adulta, ainda consigo ficar empolgado quando vejo os meus heróis do cinema entrarem em ação. A forma como os vilões tecem as suas teias de maldade e o modo como os heróis são capazes de desfazê-las, muitas vezes através de obstáculos quase intransponíveis, me provocam grande entusiasmo.

Um dia quis ser um herói. Imaginei que pudesse usar uma capa, ter asas ou super poderes que me fizessem enfrentar os vilões do mundo. Doce imaginação! Os heróis sempre estariam nas telas do cinema, seus super poderes condenados à ilusão dos efeitos especiais, e suas vitórias repetidas incansavelmente à cada nova exibição feita pelo projetor da sala escura.


Não. Eu estava enganado. Lembrei dos heróis da vida real, que não usam capas nem máscaras. Pensei nas milhares de pessoas no mundo inteiro, vencendo as suas barreiras. As suas lutas não são obras de ficção. Todos os dias estão eles por aí, anônimos, fincando bandeiras de conquistas, superando-se.  Seus vilões não são menos terríveis que aqueles do cinema.


Cada um é herói de si mesmo. Cada um sabe onde o sapato aperta, como se ouve dizer. E não se pode transferir o que é de responsabilidade nossa. Neste sentido, penso na orientação do Messias quando  disse  que  cada  um  carregasse  a  sua  cruz. A Dele era de madeira, cheia de farpas, pesada, e somente Ele seria capaz de suportá-la. Era necessário aquele sacrifício representado pela cruz. Aquele  martírio  estava  destinado a  Ele, que o cumpriu até o fim. E qual seria o nosso?  Qual  seria  a   cruz   que   teríamos  de  carregar?  O  que o destino tinha reservado para nós?

Presumo que Deus-Pai não escolheu um dos  discípulos do Messias para passar por aquele sofrimento porque nenhum deles estaria preparado. Assim é conosco. Nosso fardo é individual e não podemos delegá-lo a outra pessoa. Cabe a nós nos tornarmos heróis dentro de nossa própria história. Porque todos trazem um herói dentro de si.

Certa vez parei para refletir sobre o que eu tinha vivido ao longo desses anos, praticamente desde que nasci. Cheguei à conclusão de que tudo por que passei seria insuportável para algumas pessoas, elas simplesmente não saberiam sair de determinadas situações, não teriam como lidar com certas dificuldades. Por outro lado, eu também não saberia enfrentar muitos problemas pelos quais os outros passaram. Daí vêm à mente aquele famoso “e se...”. E se fosse o fulano no meu lugar? E se fosse  eu  no  lugar  de  fulano?  Como  seria? Acho que em algum momento na vida já nos perguntamos  isso.

Ora, a resposta é muito simples! Nessa longa caminhada o peso só é dado a quem consegue suportá-lo. Algo sempre está destinado a nós.
Penso também que o vencedor nem sempre é aquele que de fato venceu a batalha, mas sim o que soube fazer um bom combate.

Um dia, conversando com uma amiga, desabafei alguns problemas. Questionei para ela por que eu tinha de passar por todo aquele dilema. E ela me falou algo que nunca mais esqueci: “É você quem está passando porque só você é capaz de resolvê-lo. Ele é seu.”

A princípio, a frase da minha amiga poderia soar como algo extremamente egoísta, como se ela fosse insensível ao meu sofrimento. No entanto o que ela disse era uma verdade! Não consegui imaginar alguém tão bem preparado quanto eu para contornar aquela situação. E de fato não havia ninguém. Eu estava assumindo a minha cruz.

Acredito que quando nós ganhamos consciência do nosso papel diante dos problemas que enfrentamos, eles diminuem de tamanho e nós crescemos na mesma proporção. Não podemos nos deixar intimidar de forma alguma. Como um guerreiro da luz que nunca desiste ainda que a batalha pareça perdida. Ainda que o cenário seja desfavorável e assustador. Uma luta não começa quando pegamos as armas; começa quando assumimos  a  nossa  condição  de  lutador  dentro de nós. A figura do lutador nasce antes da própria luta, antes do enfrentamento.

O medo é indispensável para o auto-conhecimento. É através dele que criamos bases sólidas para a batalha. Passamos a delinear onde estão as nossas fraquezas e aprendemos a sobrelevá-las.  Deste  modo,    estão   as   asas  dos heróis da vida real: na capacidade extraordinária   de  vencermos   os   nossos   receios  e  voarmos  como  águia.
Não creio que a vida seja tão injusta, dá-nos a dificuldade, mas junto traz a força magnífica que existe em nós.

Carregar a cruz pode ser uma tarefa muito benéfica, a depender da postura que tomamos diante dos embaraços da vida.